A série Top of the Lake, atualmente em cartaz no canal Sundance, é mais uma prova de como as coisas andam boas para quem gosta de ficção na televisão.
Como se não bastassem os roteiristas mandando ver nas teclas, o meio vem agora atraindo alguns excelentes diretores, embaralhando ainda mais as fronteiras entre TV e cinema.
Emily Nussbaum escreveu um bom artigo na New Yorker (aqui, só para assinantes) relatando essa faceta razoavelmente nova – pelo menos na quantidade e abrangência – da TV norte-americana.
Antes um lugar onde o roteirista era o rei (por causa de tempo, gente, ideias etc.), a tela menor agora também aceita com vigor e disposição a tal “visão pessoal” de muitos diretores, transformando a programação da TV no tão sonhado “cinema em casa”.
A lista está ficando gorda: Scorsese com Boardwalk Empire; Michael Mann com Luck (azarado, infelizmente); David Fincher com House of Cards; e agora uma estranha cereja no bolo com Jane Campion e seu Top of the Lake.
A série dividida em sete episódios mostra as, vá lá, aventuras de uma detetive especialista em casos envolvendo menores. Ao investigar o desaparecimento de uma garota grávida de 12 anos em Moke Lake, na Nova Zelândia, ela mergulha numa sociedade cheia de traumas, mistérios e, vejam só, humor.
Campion ficou famosa ao dirigir O Piano (1993), que acabou nos formatando um tipo de mulher (Holly Hunter) e um tipo de homem (Harvey Keitel), personagens emblemáticos que uniam beleza e brutalidade num ambiente paradisíaco – e por isso mesmo hostil a qualquer intervenção.
Top of the Lake é naturalmente o Twin Peaks (1990) da atual temporada. Não só porque a loucura de David Lynch também levava aspectos cinematográficos (ritmo, planos, desenvolvimento de personagens, trabalho de som) para a TV, como revelava uma surreal sujeira debaixo do tapete de uma pequena comunidade.
Jane Campion, que co-escreveu a série com Gerard Lee, consegue momentos belíssimos de sua paisagem. Montanhas, lagos imensos, fazendas e planos gerais se misturam com tabernas fétidas, containers abafados e insólitos abrigos embaixo da terra.
Toda aquela dimensão da natureza parece não ser o suficiente para os pequenos cidadãos que seguem se escondendo em barracas minúsculas e mantendo segredos infames.
Mesmo com toda a terra – e fartura – do mundo, os personagens de Top of the Lake parecem aprisionados.
Robin, a detetive confusa e “sexy sem querer” de Elisabeth Moss, é a vingadora, aquela que chega para abrir as janelas e cortinas do lugar.
Não tem jeito. Por instantes pensamos em Sarah Lund, a policial de The Killing, outra série gelada (na versão dinamarquesa) e com um tempo mais lento e contemplativo.
Ao contrário de diversos dramas policiais, Top of the Lake não oferece respostas nem combina diversos crimes com perseguições ou espetaculares deduções forenses.
Trata-se muito mais de aproveitar a paisagem e olhar um pouco para outro universo.
Genial também é o núcleo cômico (se é que podemos chamar assim) das mulheres emocionalmente machucadas que moram nos conteiners e seguem a “bruxa” (no bom sentido) G.J. (Holly Hunter).
As desajeitadas ações dessas garotas são um contraponto perfeito para a vilania de Matt (numa atuação magnífica de Peter Mullan).
Garth Davis co-dirige a série, que carrega a preocupação feminista de Campion, e, principalmente, uma certa poesia nada solene, ótima para ser apreciada no sofá de casa.
Não é revolução nem uma gigantesca novidade, mas significa a solidificação da qualidade na TV norte-americana. Não é pouco.

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