Lendo as folhas, parece que o Brasil vive a sua primavera televisiva. Enfim, os independentes invadiram os domínios dos poderosos. A ditadura acabou. Roteiristas, diretores e atores agora podem se expressar livremente, pegar dinheiro do governo e fazer todas aquelas obras estupendas que só não saíram do papel por causa dos obtusos donos das emissoras de TV aberta.
É só perguntar lá para os companheiros do Egito e vocês vão perceber que tomar o controle não parece tão fácil assim. Ainda mais quando estamos 30 anos atrasados (insisto neste número, foi um cálculo caprichado e generoso) quando o assunto é o mercado de séries de TV. É impossível exigir esse frescor todo da noite para o dia. Calma aí, gente. Diversidade é a chave. Então vamos colocar a mão na massa e separar o joio do trigo. Não está bom, mas também não está tão ruim.
Problema: hoje, qualquer produtora comenta que tem 34765 projetos em andamento. Sério? Uma espiada mais de perto e 34764 desses viram poeira por causa de roteiros infames, planejamento pífio e falta de estrutura. Porém, de novo, a gente consegue dar um jeito, as coisas são assim mesmo, paciência, moçada.
Mas sabe o que eu acho mesmo de lascar? A pouca ousadia. Tô nem aí se o treco é meio disforme, um tanto apressado e feito nas coxas. Vamos experimentar mesmo, invadir o palácio e depois ver como nos manter lá.
Agora, subir no trono, colocar a coroa e agir igualzinho ao tirano? Não dá.
Quando vamos finalmente fazer uma série de impacto na dramaturgia, que participe da cultura brasileira, que entre na vida?
Só quando pararmos de copiar o estilo Guel-Falcão-Machado-Young. Deixem essas coisinhas pra eles, esse humor rapidinho todo “falandinho assim”. A Globo tem seu estilo – que não é sitcom. Funciona. Às vezes é bom. Ok. Próximo passo.
Não vejo a Porta dos Fundos como a salvação da lavoura.
O que a gente precisa mesmo aqui é de um Ricky Gervais. Mas não para copiar The Office, Extras ou sei lá. E sim pra tentar algo como Derek, a mais recente obra do sujeito (passou no Channel 4 da TV britânica).
Enquanto a gente aqui discute o politicamente correto e outras invenções, Gervais monta episódios (foram seis e um piloto exibido ano passado) emocionantes, perturbadores e cômicos num senso diferente (não sei qual é, na verdade).
Derek Noakes (Gervais) é funcionário de um asilo. Sua franja ensebada, seu jeito curvado e olhar naif aparecem – juntamente com os idosos e outros empregados – nesse mockumentary que registra o cotidiano do lugar.
Usando uma estrutura que domina plenamente (o falso documentário), Gervais brilha como ator, diretor e roteirista, revelando um lado doce, de intensa carga dramática e filosófica (mais nesta entrevista).
A maldita polêmica apareceu porque Derek pode visivelmente ser considerado um autista. E como qualquer coisa vinda de Gervais, a ideia levantaria um “meu Deus, lá vem esse babaca zoar os deficientes mentais”.
Eu não consegui encontrar nem com lupa algum indício de um humor escroto, capenga, como esse praticado em certos palcos.
Aliás, fazia tempo que não via algo tão terno e carinhoso com os rejeitados, os idosos e os voluntários.
Depois de cada episódio, eu só pensava: “e quem cuida dos cuidadores?”.
Derek é um personagem antigo de Gervais, que ele experimentou nos palcos de Edinburgh em 2001. É apenas um sujeito ingênuo, generoso, muito mais próximo de alguém que gostaríamos de conhecer do que qualquer outro que ele já tenha feito ou escrito.
Se alguém procura entender como funciona um humor capaz de chocar, mas também ser tocante e perturbador, aí está a chave.
Claro, nem todos vão gostar. Nem todos vão achar desrespeitoso. Mas não é por aí que devemos nos movimentar?
Sinto que estão escrevendo coisas para agradar o tal politicamente correto ou pra arrebentar de vez qualquer bom senso, com raivinha e sem nenhum talento.
Rick Gervais tem a chave para aquele insondável “humor inteligente”.
Parece fácil, mas exige ousadia e perspicácia.

Deixe um comentário