Já nos trailers da sessão de Homem de Ferro 3, um amigo murmurou “meu Deus, o que o cinema virou?”. Só de espiar Velozes e Furiosos 5 (ou é o sexto?) entrei num estado de catatonia – e arrependimento. O que seria de nós nas próximas duas horas e pouco na companhia de Tony Stark?
A travessia foi difícil. Chega a ser impressionante como os grandes estúdios conseguem rebaixar uma franquia a um patamar tão baixo.
Desde o primeiro filme, Jon Favreau tinha conseguido estabelecer uma certa lógica interna. A gente engolia sem dor a história do playboy mimado que fabrica armas militares e combate o crime (só os grandes crimes) com um misto de arrogância e ironia.
Sem o peso da armadura do Batman ou do lado sobrenatural do Homem-Aranha, Tony Stark (Robert Downey, Jr.) surgiu como um herói perfeito para a era dos hipsters: um babaca que curte matar uns vilões só pela diversão.
Agora na sua terceira aventura, deu a louca nos roteiristas Shane Black (que também pegou a direção) e Drew Pearce.
Homem de Ferro 3 é uma monumental confusão.
Há bad guys espalhados por todos os lados, dezenas de pessoas de lata voando, uma turma saída diretamente de X-Men (ainda não entendi o poder dos caras), sequências tiradas de algum James Bond, esquetes sem graça e uma Gwyneth Paltrow detestável – sem contar um lance meio MacGyver. Não dá pra entender.
Parece um filme inteiramente chutado. Ou então, aconteceu justamente o contrário: foi pensado demais, mas pelas pessoas erradas.
Ainda não tinha lido o desabafo de Steven Soderbergh (mais aqui) quando vi o filme, mas agora entendo que toda a parafernália desinteressante e desnecessária deve ter sido colocada pelos executivos dos estúdios envolvidos na produção. Só pode ser – ou pelo menos prefiro acreditar nisso.
Depois da sessão, só tinha gostado das cenas com o Mandarin (Ben Kingsley). Pelo menos ali eu tinha me divertido com aquela sátira um tanto tosca. Ao fazer um terrorista de fachada, Ben Kingsley (que grande ator) propõe diversas interpretações interessantes. O que é o mundo hoje além de uma ruidosa encenação? Em quem acreditar? Não existe nada além de show?
Ao lidar com o terror de uma forma humorística – ainda mais estreando depois das bombas de Boston -, Homem de Ferro 3 injeta um pouco de complexidade numa trama descabida (tão incompreensível quanto os fatos reais, na verdade).
Na saída da sala de cinema um outro amigo me censurou. Disse que o filme era ótimo e justamente a pior parte era aquela do Mandarin. Segundo ele, tinham destruído um vilão que era muito mais interessante nos quadrinhos.
Dias depois o Anthony Lane, crítico da New Yorker, escreveu um artigo me convencendo de outro lance promissor do longa – infelizmente jogado às traças. Lane se refere com carinho a todo o trecho em que Tony Stark fica sem seus brinquedinhos e se enfia num canto gelado do Tennessee, onde consegue um novo parceiro e vive fantasias infantis (leia aqui).
O fato é que essa crítica e a de Manohla Dargis no New York Times são melhores que o filme. Essa é a vantagem de ver produções de Hollywood. Você consegue depois ler algumas reflexões e tentar chegar a novas opiniões e perguntas.
Por aqui, nós saímos do cinema vazios e continuamos vagando sem rumo, sem ninguém para nos dar a mão (ou arranjamos companhia quando o Inácio Araújo escreve sobre os filmes).
Muitas revistas, jornais, críticos e ensaístas ainda nos salvam de Homem de Ferro 3.
E diretores também, como as palavras de Soderbergh e as imagens de Oliver Assayas em seu belíssimo Depois de Maio (Après Mai).
Um cinema cheio de encantamento e de arte por todos os lados. Como é bom assistir a alguma coisa em que as pessoas lêem livros, vêem filmes, fazem desenhos, discutem poesia, trepam, fumam, bebem e tentam viver.
Mesmo com a ação ocorrendo na Europa em 1971, época em que essas loucuras ainda aconteciam, Assayas consegue falar sobre o que é ser jovem hoje.
Mais que isso, ali está uma pergunta que deixamos passar: vale a pena se fechar em certezas, ficar preso nos próprios medos, ou é melhor sair por aí e experimentar a vida?
Toda essa parafernália de segurança adianta alguma coisa?
A vida sempre entra, por mais que você tente evitá-la (mais comentários de Contardo Calligaris aqui).
Depois de Maio vem com muita beleza (Assayas fotografa com vontade os corpos jovens e a nudez) e diversas questões.
Apesar de tudo, ainda vale muito a pena ir ao cinema.

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