Rosario Dawson é Em Transe. No mais recente filme dirigido por Danny Boyle, ela interpreta Elizabeth, uma especialista em hipnose que depois de dois segundos em cena vira uma mulher-fatal digna do melhor cinema noir dos anos 40.
Morenaça, com superlativos de pintura renascentista, ela nem precisa ser loira para entrar no panteão das perigosas garotas que já encheram as telas.
O filme é, convenhamos, bem esquisito. Tem uma força impressionante em certos momentos, bons atores e consegue criar uma Londres colorida, mas perturbadora e alucinada (aqui uma crítica de Pablo Miyazawa, que ficou fascinado pelos truques de Boyle).
Só que a trama escrita por Joe Ahearne e John Hodge abusa da nossa confiança. Para nos envolver, precisamos crer em alguma coisa. Porém Em Transe é movediço, traiçoeiro e por vezes parece desprezar a audiência. Aos poucos, perdemos qualquer fé nas imagens – então por que raios estamos no cinema?
Todos os personagens estão envolvidos no roubo de um esplêndido quadro de Goya. O maquinário de Boyle entra em cena para nos fazer duvidar de tudo. Com a entrada da hipnose, a imaginação e o sonho invadem os planos, transformando o longa num por vezes enfadonho jogo de adivinha.
O maior problema da narrativa é a quantidade de viradas. Depois que fomos enganados umas 43 vezes, desistimos de crer nos personagens, pois percebemos que a única e grande verdade só será revelada no final – então pra que continuar brincando?
É como tentar montar um quebra-cabeça e, quando faltam apenas algumas peças, alguém aparece e desmancha tudo; pior, ele nos oferece uma outra imagem, ainda mais complicada. Será que vale o esforço?
Vale porque a gente sempre pode se agarrar em Rosario Dawson. Lá está a nossa guia. Sua aparência imponente e sagacidade nos deixam acesos. É tentador prestigiar um filme que aposta tanto nos mistérios de sua estrela feminina. Os meninos estão perdidos.
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Alessandra Negrini é Abismo Prateado. Impossível não querer abrigar essa louca. Vale por todos os momentos nos quais a câmera se dedica exclusivamente ao olhar dessa estrela. Abaixo, resenha publicada na revista Rolling Stone.
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Em seu quarto longa, o diretor Karim Aïnouz (O Céu de Suely) consegue mais uma vez impregnar o olhar do público com uma narrativa bem distante dos atuais sucessos nacionais. Ser diferente não é sinal de qualidade, mas essa estética do cineasta cearense cai bem em um mercado que precisa conquistar diversidade.
Em O Abismo Prateado, acompanhamos a brutal ruptura no cotidiano de Violeta (Alessandra Negrini), dentista de 40 anos que é abandonada pelo marido. Sem rumo, ela vaga pelo Rio de Janeiro tentando compreender a tragédia. O fiapo de história surgiu a partir do convite do produtor Rodrigo Teixeira, que pediu para Aïnouz adaptar para as telas “Olhos nos Olhos”, de Chico Buarque.
Enquanto foca exclusivamente na dor de Violeta, a obra convence e traz uma interpretação arrebatadora de Alessandra. As coisas só ficam desinteressantes quando outros personagens aparecem para injetar alguma ordem no caos.
Destaque ainda para a deslumbrante fotografia de Mauro Pinheiro Jr., capaz de revelar com precisão o choque entre o desespero emocional da protagonista e a efusiva paisagem fluminense.

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