A imprensa descobriu que roteirista é uma pessoa – e importante! Semanalmente a gente consegue ler por aí reportagens explicando que a falta de roteirista está acabando com a chance do Brasil ser uma potência quando o assunto é série de TV – e cinema também, às vezes.
Dia desses a Folha de S.Paulo publicou mais um desses textos. O problema é que a maioria desse material – não foi o caso desse da Folha – é leviano, sem nenhuma análise consistente. Geralmente descobrimos que temos diretores incríveis, produtores maravilhosos, muita grana no bolso, mas os roteiristas teimam em estragar a festa. Ou eles são péssimos ou reclamam que ganham pouco. Eita raça!
Alertado pelo roteirista Thiago Dottori, fui reler o texto principal da Folha e, de fato, há ali uma tentativa de chamar a atenção para o outro lado – o dos roteiristas. O lide já indica que quem escreve é o suspeito de sempre. Mas talvez o crime não seja tão simples assim. Foi um bom passo para o começo de uma análise mais complexa da situação – há críticas aos produtores e ao mercado.
Porém, o que mais gosto é quando essas reportagens vêm acompanhadas de alguma malandragem do tipo “dez dicas para escrever bem”. O problema é que o Billy Wilder já fez esse esquema há algumas décadas, e quem escreve esse estilo de coluninha hoje nunca leu um roteiro ou simplesmente comete um blá-blá-blá qualquer porque precisa fechar o caderno.
Nessa mesma reportagem, a Ilustrada publicou um treco desses. Chamou a bagaça de “Roteiro para ser um roteirista – Profissionais sugerem o que fazer e o que evitar para dar certo na profissão”.
Em vez de utilizarem o espaço para algo útil, fazem graça com ilustrações infantis (ok, são engraçadas de tão ridículas) e dicas estapafúrdias.
Tento aqui minimamente dar minha contribuição para o debate – e, claro, aproveito para ser sarcástico e engraçadinho, às vezes é legal fazer isso.
Em itálico, a “dica” da Folha. Abaixo de cada uma, um breve comentário.
PRATIQUE
1 Antes de tentar escrever bem, desenvolva a estrutura dramática
Ok, mas a ordem está invertida. É melhor escrever bem primeiro. Até porque o que é “a estrutura dramática”? Fazer a escaleta? Um primeiro tratamento? Complicado. E como a primeira dica é “desenvolva a estrutura dramática”? Pessoal quer que o futuro roteirista desista na hora. Esse é o último passo.
2 Leia; essa é a única maneira de aprender a escrever
Tá, não é a única, mas o conselho é bom. Aliás, melhor ainda se o roteirista ler roteiros. Hoje, a internet proporciona maravilhas. Dá pra você ver sua vizinha em filmes pornôs amadores, fazer amizades, derrubar governos e até trocar mensagens. Mas adivinhem? Sim, dá pra buscar todo o tipo de roteiros. Infelizmente, não em português. Então, o negócio é saber inglês.
3 Veja e reveja filmes; repertório é fundamental
Seria bom que alguns diretores brasileiros também lessem esse tópico. Pela minha experiência, diretor nacional não gosta de ver filmes – mas adoram publicidade. Roteirista geralmente é cinéfilo e seriemaníaco, aprecia a dramaturgia da coisa, ama narrativa. Esse quesito vale mais para cineasta, que hoje parece ter uma dificuldade imensa para demonstrar sua paixão por imagens – mas sabe tudo sobre como entrar em leis de incentivo.
4 Tenha paciência para aguentar o diretor; saiba que você é meio terapeuta dele
Terei que discordar completamente. O problema é que muitos roteiristas têm paciência com o diretor. E não, o cara que escreve a história não é meio (nem inteiro) terapeuta de diretor. Isso só colabora para a desgraça que a profissão vive no Brasil. Roteirista é um profissional como outro qualquer (mais até do que o “outro qualquer”, dependendo do caso) e não tem que puxar saco do diretor só porque o chefe conseguiu verba da Ancine. Esqueça isso.
5 Saiba cobrar pelo seu trabalho e faça marketing pessoal
Finalmente algo que vale a pena prestar atenção. Roteirista tem que ficar atento aos valores justos (eu sei, é impossível) e vender seu peixe. Infelizmente, duas coisas que a grande maioria ainda não consegue fazer com muito sucesso. Porque o mercado precisa se acostumar com a importância dos roteiros; e porque os roteiristas precisam se conformar que não são terapeutas, mas sim peças fundamentais para a realização de um trabalho para cinema e TV.
EVITE
1 Não se confunda com um personagem ou você não conseguirá multiplicar pontos de vista
Nem sei o que dizer. E se o filme tiver apenas um protagonista bipolar? Como assim “não se confunda com um personagem”? Aí o cara não é roteirista, é louco mesmo.
2 Não julgue seus personagens; ame a todos sem reservas
Wow. Vai explicar isso para os irmãos Coen, que odeiam seus personagens e fazem filmes espetaculares. E que tal o Haneke? Você tem que entender as motivações de seus personagens e saber quem são eles. Agora, julgá-los, fica a seu critério.
3 Procure colocar opiniões em debate em vez de defender uma única
Aqui percebo uma confusão. Esses tópicos estão sob o guarda-chuva “Evite”, mas são estranhos, não? É para evitar colocar opiniões em debate? Bom, de qualquer maneira parece mais dica de autoajuda para o dia-a-dia do que para escrever um roteiro. Acho que a melhor coisa a fazer é defender sua opinião sobre personagens, trama, reviravoltas etc. Sim, coloque em debate, mas tenha uma opinião. Não?
4 Não escreva sem saber onde quer chegar ou você vai bater de frente com o muro
Muitas vezes, essa batida no muro é que fornece uma solução para a história. Cada um tem um método. Tem gente que tem o começo e o final; outras que só têm o começo; algumas que vagamente sabem o final; e a maioria não sabe de porra nenhuma, mesmo assim escreve coisas ótimas.
5 Cole em quem você admira
De novo, é para colar ou evitar colar? A ilustração que acompanha essa dica é sem dúvida a mais hilária. Mostra um cidadão encoxando um autor careca (seria o Matthew Weiner, de Mad Men?). Enfim, a melhor coisa a fazer é não encoxar ninguém (quer dizer, depende de quantos drinques vocês tomaram, onde estão, se vocês se gostam etc.). Mas sempre é bacana procurar pessoas que você confia e gosta. Pedir conselhos pessoalmente é melhor do que ler esses quadrinhos.

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