Um dos meus testes preferidos para saber se um filme é bom: vá ao banheiro depois da sessão, se as pessoas estiverem cantarolando uma música do longa enquanto lavam as mãos e fazem os números um ou dois, podem ter certeza que o negócio pegou.
É assim em Um Amor na Tarde (1957), de Billy Wilder, que está na mostra do diretor no Cinesesc em São Paulo. Não tem jeito. Depois dos créditos finais, a turma sai assobiando Fascination, popular canção lançada em 1932.
Tudo culpa dos músicos ciganos que acompanham a trama. São quatro sujeitos que conseguem animar velório, sauna e os encontros românticos de cafajestes no hotel Ritz, em Paris.
Mas como a gente sempre aprende alguma coisa vendo um filme do Billy Wilder, abaixo uma cena que sintetiza boa parte do que está em jogo – música e objetos – no roteiro de Um Amor na Tarde.
A história é bem simples. Audrey Hepburn é Ariane, jovem estudante de violoncelo que mora em Paris com o pai (Maurice Chevalier), o melhor detetive da cidade. Ela se interessa pelos sórdidos casos de traição que o papai investiga – mas sempre vê o lado romântico da coisa. Um desses adultérios se relaciona com o industrial Frank Flannagan (Gary Cooper), um velho playboy que viaja pelo mundo arrebentando casamentos e corações. Ariane fica fascinada pelo Don Juan e, ao salvar a vida dele, começam um caso.
E assim seguimos, com a mocinha tentando quebrar o gelo do coração do charmoso ricaço – que acredita que o amor só traz desgraça.
Este foi o primeiro filme em que Wilder trabalhou com I. A. L. Diamond, que dali pra frente seria seu parceiro por muitas décadas.
No livro Ninguém É Perfeito (editora Landscape), de Charlotte Chandler, o diretor explica como se interessou pelo colaborador: “Havia uma revista mensal do Sindicato dos Roteiristas com notícias sobre o sindicato. Tinha alguns textos engraçados que eu gostava de ler. Um nome que sempre via nesses textos era I. A. L. Diamond. Sempre olho o nome do autor dos textos que gosto, e não se pode deixar passar um nome com três iniciais como este. Comecei a me informar sobre ele, que veio ao meu escritório. Conversamos por cerca de meia hora. Saímos para almoçar. Ficamos juntos por mais de trinta anos”.
Mas vamos voltar para a cena. Nela, Gary Cooper – aliás, o papel foi pensado para Gary Grant – está ouvindo uma gravação em que Audrey Hepburn conta com quantos homens transou. Ela inventou toda aquela lista apenas para tentar se colocar no mesmo nível do empresário. Sua tática funciona, pois é neste momento que ele percebe que tem ciúmes e está apaixonado por aquela garota aparentemente ingênua e inofensiva.
É uma declaração de amor sem diálogos e sem a presença da mocinha (é irresistível ficar lembrando de Audrey narrando suas estripulias amorosas). A trilha é feita ao vivo pelo grupo de ciganos que Cooper contrata para seus encontros íntimos (Kusturica anos depois usaria bastante esse recurso).
Observem como a canção movimenta a cena e a intensidade da paixão de Cooper, que cresce junto com sua raiva. Ficamos apenas com aquela tortura, com a voz de sua amada contando com quantos ela se deitou. Pode haver coisa mais destrutiva para um apaixonado? E, claro, acompanhe o engraçadíssimo bailado dos carrinhos de bebida.
A música é um item fundamental em Um Amor na Tarde. Ariane é violoncelista, temos esses ciganos malucos em muitas cenas (e encerrando o filme), Fascination é a chave para o pai de Ariane descobrir que ela está apaixonada e uma grande cena acontece num teatro onde ouvimos o prelúdio de Tristão e Isolda – também uma história de amor.
Tudo serve para o roteiro. Cada trecho se relaciona com os personagens e as sequências. Nada é gratuito. Assim como os objetos. Vejam como há esse bailado com o carrinho de bebidas, demonstrando o andamento da cena e reforçando a piada.
Sapatos perdidos, a caixa do violencelo, um casaco, um chapéu, uma flor, todos os objetos desempenham um papel importantíssimo.
E a cena não acaba aí. Os ciganos continuam tocando numa sauna.
Não tem jeito, um banho de inteligência e respeito pelo público.

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