Pode ser que Gravidade não seja essa obra-prima que alguns pintam, mas certamente é inesquecível – e não somente porque estamos num ano um pouco triste para o bom cinema vindo de Hollywood.
Alfonso Cuarón – ele fez o melhor Harry Potter – executa com maestria um fascinante projeto técnico e conduz com desenvoltura uma história cheia de suspense, mas capaz de pipocar um intenso drama sobre o luto.
O que mais impressiona é o equilíbrio entre as camadas exteriores e interiores. No princípio, o que vale é o visual. Desde seu primeiro segundo, já longe do chão, a obra se anuncia como um desafio. Como provocar essa imersão no espaço? A maior parte do filme se passa durante caminhadas no vazio feitas pelo astronauta Matt Kowalski (George Clooney) e pela doutora Ryan Stone (Sandra Bullock). Como qualquer fita de aventura, logo algo acontece e a ação começa. Por causa de uma série de incidentes, os dois ficam à deriva e precisam correr contra o tempo para sobreviver.
Apesar de toda beleza cenográfica, o impacto aos poucos vai se esmaecendo. Por alguns segundos, parece que estamos diante de um novo Mar Aberto, só que sem água e tubarões (xi, acabo de dar uma ideia para o SyFy). A obviedade de um romance entre mocinho e mocinha se instala. Quem mais ideal do que Clooney para acalmar uma donzela solta no cosmos?
Mas então a dinâmica do roteiro de Cuarón e seu filho mais velho, Jonás, é lançada com força. Com bastante eficácia, percebemos que o título do filme fala mais sobre a gravidade de alguns sentimentos – e menos sobre a física.
Sandra Bullock vira o centro do longa e somos arremessados para dentro de cápsulas e estações espaciais – e para a dor da doutora.
A partir daí, o que vale é a superação de um sentimento. Transitamos do externo para o interno, do suspense para o drama, do corpo para a alma.
Não, não é fácil fazer isso e ainda por cima agradar o espectador com algum humor e surpresas. Gravidade corre tão bem e afiado, sem gorduras, que parece ter cinco minutos de duração – lembrem-se que estamos falando de uma hora e pouco com dois personagens zanzando pelo nada.
Particularmente, acho a imagem da Terra vista do espaço a experiência estética mais impressionante de nossa história. Então, Gravidade é o meu filme.
Mesmo com deslizes bregas (vocês vão perceber logo de cara quando observarem Bullock em posição fetal), a metáfora de Cuarón pega e enternece.
A fotografia de Emmanuel Lubezki consegue nos transportar para uma rara experiência de flutuação – sem cortes excessivos ou tentativas de provocar náuseas com uma câmera nervosa. Seu balé é muito mais espiritual do que físico – a experiência fotografando os filmes de Terrence Malick deve ter ajudado, claro.
Por fim, Sandra Bullock não apenas faz um desesperado striptease espacial – que entra para a história assim como os de Jane Fonda e Sigourney Weaver – como nos cativa com seus uivos de dor.
Gravidade nos lembra como o cinema pode ser um agradável passeio.
(Para o melhor funcionamento do texto, sei que tomei liberdades ao usar as palavras “vazio” e “nada” como sinônimos de espaço. Perdão. Como complemento ao filme, recomendo com ênfase a leitura de Próxima Parada: Marte (Companhia das Letras), de Mary Roach.)
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A gente nunca pode esperar muita coisa mesmo de certos veículos. Mas essa crítica de É o Fim diz bastante sobre o apocalipse reflexivo que certa parte da imprensa brasileira enfrenta.
André Barcinski amontoa clichês, não contextualiza nada, faz gracinhas infantis e deixa o leitor no vácuo.
É o Fim é bem mais interessante do que isso. Neste artigo de A.O. Scott você encontra boas explicações e insights sobre a obra – e também percebe qual é a verdadeira função de um texto analítico.
