Agora que descobriram esse negócio de roteirista, diversos gurus estão aportando no Brasil. Não passamos mais uma semana sem um palpite do professor Robert McKee (aqui no Globo), por exemplo.
A quantidade de cursos, palestras, workshops e debates sobre roteiros de séries de TV aumenta mais do que a inflação na Argentina. Isso é ótimo. O burburinho gera interesse, movimenta um pouco o mercado e um dinheirinho extra pinta na conta dos roteiristas (ou não, depende). Eu mesmo me aventuro a distribuir algum tipo de experiência por aí.
Mas isso não é suficiente nem garante a devida atenção aos roteiros. Um dos problemas é que a imprensa geralmente publica entrevistas com roteiristas e então pede dicas de como as pessoas devem agir na hora de escrever seu próprio material.
Aí a porca torce o rabo e guincha alto. Resumindo o que falam, podemos destacar o decálogo (com apenas cinco tópicos) do roteirista assim:
• Não copie
• Aprofunde seus personagens
• TV é o futuro (esqueça o cinema, faça projetos de séries)
• Use subtextos
• Não subestime a inteligência do público
Sim, sugestões rasas, besteiras (por favor, o cinema também ainda é o canal) e exatamente o que a gente escuta há algumas décadas. E ficamos nisso.
Nossa indústria de séries só vai melhorar quando de fato as pessoas começarem a se aprofundar nos roteiros e esmiuçarem a importância da escrita na obra audiovisual. Não basta publicar bate papo com sujeitos legais; tem que estudar e procurar entender a criação das obras. Essa é uma área ainda muito, muito pobre na imprensa brasileira.
De vez em quando o Stycer se arrisca, na Folha, mas precisamos mais. Bom, a melhor crítica de A Teia veio justamente do Inácio Araújo (crítico de cinema). Precisamos levar a sério nossa produção e tratar tudo com olhos fortes.
Os canais também precisam dar o próximo passo. Não consigo entender uma rede de televisão que traz o Robert McKee pra dar palestra e paga a produção de novas temporadas de Surtadas na Yoga e Copa Hotel. A equação não fecha. Ou não entendem o McKee ou ele está falando besteira. (Tá, pensando bem, alguém deve estar lucrando com isso – e não é o telespectador.)
Que tal disponibilizar roteiros das séries brasileiras pra gente comparar com as gringas?; manter um fórum nos sites pra discussão da qualidade dos programas que estão exibindo etc.
Não podemos desperdiçar a chance de realmente ter uma indústria forte daqui uns dez anos. Encontros com as vacas sagradas são divertidos, mas vale a pena pensar numa formação mais extensa, em cursos universitários e aulas nas classes de letras. Um final de semana no Rio de Janeiro com a “elite dos roteiristas” não vai mudar muita coisa, não.
A formação de bons professores será fundamental pra gente entender melhor essa história.
O governo vai começar a distribuir uma boa grana para a criação de roteiros por causa da nova lei da TV Paga. Produtoras caçam todo dia roteiristas no mercado. Todos os lados precisam ter paciência. Vale a pena investir tempo e dinheiro num núcleo de criação agora e colher daqui a alguns anos uma série que pode modificar o padrão de qualidade da TV nacional.
As produtoras e canais precisam entender que 20 horas de palestras não fazem brotar o David Chase nem o Matthew Weiner.
Essa busca por resultados imediatos pode colocar no ar dezenas de produtos fraquíssimos que só afundam ainda mais nossa fraca produção de roteiros.
A era dos gurus tem que ser apenas o início de um verdadeiro pacto para a melhoria dos nossos textos.
Precisamos agora de um marco, do nosso The Sopranos, daquele episódio que vai mudar os rumos.
Enquanto isso, vamos aprender com True Detective (que baita série) e indo ao cinema. Sim, vamos ao cinema. É possível ler o roteiro de muitos filmes em cartaz. Um complemento essencial aos conselhos dos gurus.
P.S: Pedro e Bianca, exibido por aqui na TV Cultura e criado por Cao Hamburger, Teo Poppovic e Thiago Dottori, acaba de ganhar o Emmy Kids. Não poderia ter vindo em melhor momento. Tomara que esse material encontre um novo mercado.

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