Serendipidade, “Orphan Black” e “Eles Voltam”

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Qual foi a última vez que você foi ao cinema sem saber o que pretendia ver? Chegou lá e disse: “Vou entrar na primeira sessão que tiver ingressos”. E acabou vendo alguma coisa que desconhecia nem tinha ouvido falar. Quando foi?

O mesmo vale para séries de TV e livros. Pegou o que viu pela frente, sem muita ou nenhuma informação, e mandou ver.

Está cada vez mais difícil relacionar a palavra serendipidade (ok, nunca foi fácil) com as nossas escolhas artísticas e culturais.

Serendipidade é a arte de encontrar o que não se está procurando. Originado numa lenda oriental, uma reportagem de Bolívar Torres no Globo tratou de resgatar um pouco o conceito e fazer algumas provocações.

Somos bombardeados por notícias e dados o tempo todo. Mesmo quando a gente entra na internet só pra dar uma checada no e-mail, acabamos espiando um site qualquer e pronto, já descobrimos que a atriz X saiu sem calcinha e que o filme Y traz as novas aventuras da trilogia H.

Ultimamente, nós ouvimos falar sobre tudo. Por isso é tão chocante quando não conseguimos descobrir onde está um avião com mais de 200 pessoas a bordo. Afinal, nós sabemos de tudo o tempo todo.

Mas voltando aos objetos culturais e a tal serendipidade.

Eu estava frustrado porque fazia tempo que não conseguia descobrir uma série nova. Andava apenas atrás do prejuízo, vendo os hits, lembrando das velharias, enfim, seguindo um rígido planejamento.

Até que resolvi dar uma chance para a serendipidade. Liguei o computador e ignorei todas as dicas do Netflix. Essa história de “se você gostou disso, vai gostar dessa outra coisa” é o serial killer da serendipidade.

Como está lá na reportagem do Globo, a internet hoje propicia guetos e nichos, mas mata as chances de descobertas. Não acho que o caso seja tão grave assim, mas rola um pouco disso mesmo.

Pois bem. Comecei a vasculhar o site como um bom flâneur. Sem me preocupar com nada, olhando distraídamente as opções. Agi como faço nas livrarias, um dos melhores lugares do planeta para você praticar a serendipidade.

Eu faço isso quase todos os dias. Fico passeando pelas prateleiras, olhando os títulos, abrindo livros, cheirando outros, mirando as orelhas etc. Já descobri coisas fundamentais assim.

Então, lá no Netflix eu parei no Orphan Black, série da BBC América.

Era isso. Fazia tempo que tinha ouvido falar e queria dar uma chance pra ela. Não estava procurando e pronto. Ela caiu na minha mão. Resultado: quatro episódios de uma vez e topei com minha atriz favorita do momento.

Tatiana Maslany interpreta Sarah, a órfã que vive no Canadá e, ao trocar de identidade com uma suicida, descobre que faz parte de um plano muito esquisito que envolve clonagem e cientistas malucos.

Criada por Graeme Manson e John Fawcet, Orphan Black está na sua segunda temporada e é uma ficção das mais porretas, com ganchos extraordinários, reviravoltas surpreendentes e um humor absurdo. Não consegui parar de assistir. É um daqueles negócios que chamamos de entretenimento puro.

Animado com essa descoberta tardia, saí no dia seguinte para dar uma volta e entrei no Cinesesc. Provocando minha serendipidade, resolvi ver a primeira sessão que tivesse. Acabei assistindo ao ótimo Eles Voltam, de Marcelo Lordello.

Claro, já estava querendo conferir esse filme, sabia alguma coisa sobre prêmios e estética etc., mas não tinha agendado nada. Então, mais um ponto para a serendipidade – que envolve também fortuna e capacidade de aproveitar as chances que surgem.

E, de certa forma, Eles Voltam também é sobre a arte de encontrar o que não se está procurando. Cris, a fenomenal Maria Luiza Tavares, é abandonada com seu irmão pelos pais numa estrada de Pernambuco. Logo ela se vê completamente sozinha, sem o companheiro, que foi buscar ajuda num posto. Então começa a sua jornada, procurando não apenas uma maneira de voltar pra casa, mas a própria definição do que é um lar.

Curiosamente, Cris se dá bem ao se jogar nas descobertas; já Sarah, a protagonista de Orphan Black, também topa com o imprevisto e acaba se enrolando ainda mais (mas, no fim, qualquer coisa é muito melhor do que vidas reguladas por uma rígida agenda).

Voltando ao artigo no jornal, fico com as palavras da professora Sylvie: Com a serendipidade, você inventa suas regras e desvia dos caminhos batidos. Ela reumaniza o mundo e nos devolve a fantasia, a imaginação, a consciência, o prazer de ver aquilo que os outros não veem”.

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