A era do tubo mágico

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INT. BAR – NOITE

Um homem e uma mulher conversam.

MULHER

Mas por que cinema?

HOMEM

Ué, como assim?

MULHER

Roteiro de filme? Transforma em série.

HOMEM

Série?

MULHER

É. Pra que escrever um filme hoje em dia? Pega isso aí e transforma em série. Vai por mim. O negócio é série.

FIM

Como dizer que a Mulher está errada? Eu ouvia quieto o papo acima enquanto tentava articular a defesa do Homem. Eu não sou um desses malucos que pregam a morte da narrativa cinematográfica. Muito menos daqueles que acreditam que só existem séries boas e filmes horríveis. Porém, cada vez mais o que distingue o cinema da TV é apenas o tamanho da tela. Não consegui ajudar o coitado.

Pior para o cinema: quando o assunto é a narrativa, a dupla TV-internet tem inundado o mercado com mais atrativos do que a sala do shopping mais próximo.

Se eu fosse um diretor, acho que ainda teria vontade de fazer um filme, explorar a imagem gigante de corpos e ações. Mas, como roteirista, enxergo mais – neste momento – as possibilidades de contar uma história numa série.

Isso porque hoje estamos na era do tubo mágico (e tomo a liberdade de ainda colocar tubo nas TVs). Nas séries, você pode combinar qualquer ideia e formato da maneira que achar melhor.

É como brincar com um cubo mágico, onde temos milhares de possibilidades de composição.

Roubo essa imagem de um artigo de Matt Zoller Seitz (eu sei, ele sempre aparece aqui, mas o que fazer quando alguém escreve antes as coisas que você está pensando?). Ele conta como hoje as séries não seguem mais aquela formatação clássica, romperam a fronteira final e nem pensam tanto assim na audiência.

Profundidade, emoção, pensamento artístico, novas possibilidades de narrativa, personagens inesquecíveis e comentários indispensáveis sobre o homem eram alguns dos atrativos que nos levavam para o cinema. Mas e agora? Quando tudo isso começa a ser ofertado em larga escala pela TV e computador? Saímos atrás dos óculos 3D apenas? É pouco, muito pouco.

Se a gente tem um Louvre dentro de casa, porque vamos até a feirinha com artistas amadores da esquina?

American Horror Story, True Detective, House of Cards e Fargo, por exemplo, jogaram fora a cartilha que define duração e número de episódios de uma série clássica de TV – sem contar Sherlock e outras séries inglesas que já vinham fazendo isso.

Eles brincaram com a maneira de se contar uma história, indo e vindo no tempo, exibindo tudo de uma vez ou mantendo o tema, mas mudando todos os personagens e fazendo… cinema.

E agora se aproximam ainda mais dos filmes ao promover essa brincadeira do binge-watching, deixando a turma sentada no sofá por horas (ou dias).

Como lutar contra uma maratona de Breaking Bad? Por mais que os blockbusters tentem, esticando suas tramas e tentando virar séries (o novo Homem-Aranha é quase insuportável de tão seriado e longo), eles têm perdido terreno para as invenções televisivas.

Realmente os roteiristas e executivos de séries estão tomando alguma coisa, pois não param de criar novas e interessantes maneiras de nos contar uma história.

Em que época a gente pode contar com a estreia do novo 24 Horas (só que com 12 episódios) e da quarta temporada de Louie – cada vez mais experimental – no mesmo dia? Qual foi a última vez que dois grandes filmes foram lançados assim, na mesma quinta-feira, com grande aceitação da crítica e do público?

Agora, extrapolando qualquer amarra, podendo experimentar qualquer lado e cor do cubo mágico, as séries estão livres e indomáveis – e cada vez mais… artísticas.

Eu não queria estar na pele do cinema.

 

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