Leio no blog da Maria do Rosário Caetano que a coisa está feia lá fora. Os blockbusters norte-americanos tomaram nosso circuito – e a coisa deve piorar pois Godzilla vem aí. Sobraram algumas poucas migalhas para os filmes que não são de Hollywood.
Então, o negócio é tentar furar o bloqueio e passear – enquanto dá tempo – pelos filmes latino-americanos. Por diferentes razões e com qualidades distintas, há três longas que nos contam bastante sobre o modo de vida da população desse lado do mundo e esboçam importantes discussões políticas.
Tirando a cinematografia argentina (com quem a gente vive até mesmo um injusto complexo de vira-lata), a turma não dá muita pelota para a produção audiovisual que vem dos vizinhos dos brasileiros. Pena, pois numa dessas deixaram passar Gloria, filmaço chileno com uma interpretação espetacular de Paulina Garcia.
Mas o venezuelano Pelo Malo, de Mariana Rondón, está passando por aí e merece atenção. Sem a complexidade de O Som ao Redor, mas com aquele mesmo olhar sutil sobre a arquitetura dos espaços, conta a história de um menino que pretende alisar o cabelo para tirar uma foto. Filho de uma vigilante, perdeu o pai para a violência das ruas e ajuda a cuidar do irmão menor. Passa grande parte do tempo brincando com a vizinha e flanando por monstruosos conjuntos habitacionais.
Com um bom uso da câmera subjetiva (tanto do menino quanto da mãe), conseguimos observar o cotidiano de Caracas, um lugar cheio de tudo – de carros, de gente, de assassinatos, de garotas querendo ser miss, de fé, de preconceitos. Mas onde falta água, dinheiro e horizonte.
As imagens sempre vão se revelando impressionantes, nos contando tantas coisas que perdemos o fôlego. Não há didatismo e o fiapo de história é o suficiente para nos conduzir por esse labirinto distópico.
Apenas duas sequências nas quais as crianças comentam sobre o receio de serem estupradas já mostram o poder do cinema de Rondón.
Apesar de uma ou outra virada de personagem soar desnecessária, Pelo Malo é obra essencial – e urgente – sobre o estado das coisas em grande parte da América do Sul.
Já o paraguaio 7 Caixas joga qualquer sutileza no lixo – e lixo é o que não falta no filme. Ao narrar um dia do carreteiro Victor, a dupla Juan Carlos Maneglia e Tana Schemboria apostou numa comédia de erros e num ritmo frenético. A edição impõe uma velocidade atordoante na fuga desse garoto, que deve guardar sete misteriosas caixas (um MacGuffin interessante que, como tudo no longa, vira uma chatice quando passa a ser explicadinho).
O problema é o excesso. Personagens demais com coincidências demais forçam tanto a barra que lá pelo meio a gente perde o interesse. Precisava de tanto? Os quiprocós se avolumam e se anulam, deixando todas as cenas parecidas (alguém está fugindo, encontra quem não deveria encontrar, escapa – e isto acontece 34,7 vezes).
Alguns atores também não conseguem fugir do estereótipo e no final nada se encaixa (sem trocadilho). Mas ainda assim há algum vigor, muitos temas levantados (grana, o poder da mídia, a polícia etc.) e, claro, a feira, este lugar onde todos se encontram para comprar e trocar.
A feira paraguaia está lá resumindo um estado de espírito, onde o que vale é passar a perna no outro, faturar algum para sobreviver mais um dia e adorar o celular. É, pensando bem, há diversos elementos capazes de fazer de 7 Caixas um bom filme. Basta você olhar para os lugares certos.
E aí está Getúlio, de João Jardim. Não sei como anda a bilheteria, mas encontrei a sala lotada numa sessão de meio da semana antes das 15h. Parece que terá uma carreira interessante, pois deve levar pessoas mais velhas aos cinemas (já que essas comédias nacionais boçais focam a ação nos “jovens adultos”).
Fiquei com a mesma sensação do crítico Inácio Araújo: o longa vai ao passado para nos falar sobre mensalão, Lula e o governo do PT (aqui).
É um bom filme? Sob alguns aspectos, definitivamente não. João Jardim não consegue promover nenhuma grande imagem (e ele está falando sobre talvez o político mais poderoso do Brasil no século passado) e suas cenas de ação são desastrosas. Prova da falta de emoção do longa é que as imagens de arquivo finais são as mais impactantes.
Parte do elenco se limita a fazer uma reconstituição dos fatos, como se estivéssemos vendo um quadro do Fantástico. O roteiro invariavelmente nos oferece dados, nomes, informações, mas pouca banalidade e coisas pessoais onde podemos nos agarrar. Tudo é solene e revestido com pompa, mas nada de fato é explicado.
A melhor maneira de entender a fraqueza de Getúlio é rever Lincoln, de Steven Spielberg. Lá encontramos profundidade, um texto primoroso e diversos recursos que nos levam para dentro de uma história importante (porque nós nos importamos).
Mas no filme brasileiro há dois aspectos que acabam nos mostrando que nosso tempo na sala valeu de alguma coisa. Um é Drica Moraes, estupenda com a sua Alzira, transitando com enorme facilidade entre o comezinho, o fato histórico e a ironia. Nela, a gente encontra uma personagem, alguém por quem sentir piedade, raiva, amor.
O segundo é Tony Ramos, que leva com bastante força a sua recriação do mito. Embalado pelo bom início, quando um Getúlio desfocado aparece na tela, Tony segue cena a cena montando o seu presidente, aquele que nós devemos enxergar no filme. Não deve ter sido nada fácil.
Uma obra que poderia apresentar diversos caminhos, mas infelizmente escolhe a veia do didatismo e da falta de emoção (apesar das ótimas sequências na cama). Fazer um filme com tantos closes e em espaços fechados não significa que ele será necessariamente claustrofóbico – pode ser apenas chato.
*
Em tempo: ainda é cedo pra falar, mas que espetáculo a nova temporada de Louie, não?
