No final de fevereiro deste ano, num auditório da Universidade Columbia, em Nova Iorque, pelo menos 300 pessoas se juntaram para escutar uma conversa entre roteiristas.
Os titãs Tom Fontana (Homicídio, Oz), Eric Overmyer (Treme) e Terence Winter (Boardwalk Empire) se uniram para falar com Christina Kallas, que naquela noite lançava o livro The Writers’ Room, de entrevistas com roteiristas.
Algumas coisas soaram surpreendentes – para mim, pelo menos. A principal delas é que na hora de abrir para as perguntas do auditório (quando eu invariavelmente abandono o lugar com vergonha alheia), ninguém se arriscou a fazer uma “pergunta palestra”. Foram mais de dez questões pertinentes, rápidas e inteligentíssimas.
Os três gênios foram gentis (aliás, que lindo texto sobre a gentileza esse publicado no blog da Companhia das Letras), engraçados e solícitos. O único momento que pareceu ser de saia justa foi quando a mediadora perguntou sobre o que os convidados achavam de True Detective (a série com Matthew McConaughey e Woody Harrelson), que na época estava no auge.
Foi hilário. O trio torceu o nariz, suspirou, bufou e só conseguiu murmurar um “problema dele”. Estavam se referindo ao fato de que True Detective teve seus oito episódios inteiramente escritos por um homem só, o escritor Nic Pizzolatto.
Imaginem que aquele era um evento sobre a tal “writers’ room”, ou seja, o colegiado eleito para redigir uma série de TV – geralmente comandado pelo showrunner, o criador de tudo.
Winter e Overmyer foram criados assim e gostam desse esquema, trabalhando com pelo menos quatro pessoas na hora de pinçar as histórias e montar a estrutura dos capítulos. Tom Fontana tem uma combinação diferente com seus colaboradores, mas, de qualquer maneira, envolve diversos profissionais na hora de rabiscar os projetos.
Porém, com o jovem Nic, a coisa é diferente. É como o Messi entrar em campo sozinho – mesmo – e resolver a parada. Será possível? Pelo que a gente viu em True Detective…
O livro de Kallas não apenas traz ótimas entrevistas, como também dá conta de uma intensa análise sobre por que raios não há muitas mulheres – nem negros – no comando dessas salas de roteiristas e como há diversos métodos de trabalho conforme o gosto do principal autor.
De maneira geral, está explícito que trabalhar coletivamente numa série de TV dá um excelente resultado – e que a solidão é impensável e quase pecaminosa.
Só que de repente, neste ano, surgiram várias “Glórias Perez” (é ela que ainda comete a loucura de escrever uma novela sozinha?) na TV norte-americana.
Além de Nic Pizzolatto (aliás, que parece ser um sujeito muito simpático e excelente autor de romances), apareceram Noah Hawley (também romancista), autor de Fargo, e John Logan (foto). Este é até covardia. Faz tempo que acho um dos melhores roteiristas de longas de Hollywood. O cara conseguiu três indicações ao Oscar (Gladiador, O Aviador e Hugo), venceu o Tony pela peça Red (encenada por aqui pelo Fagundes), fez um dos melhores 007 de todos os tempos (Skyfall) e agora concebeu sozinho os oito episódios da aventura gótica-gore Penny Deadful.
E é uma porcaria? Não! Os dois primeiros episódios pelo menos mostram um show de produção (como conseguem?), Eva Green no auge, o carisma de Timothy Dalton (sim, um James Bond) e uma história fantástica passada em 1891 em Londres. Além disso tudo, ainda tem um clima sanguinolento, com personagens extravagantes (doutor Frankestein e Dorian Gray) e muito charme – exalando a verve da dupla de poetas Percy e Mary Shelley.
Noah Hawley também segue solitariamente sua adaptação do filme Fargo (1996), dos irmãos Coen. Eu fiquei viciado no clima estranho, nos prólogos misteriosos e na ironia da série – que tem o mesmo título do longa.
Como podemos chamar cada um dos dez episódios? Ah, é… cinema.
Observe a profundidade de campo, o uso das lentes e a trilha. Faz um bem danado para os olhos.
Sem contar a alegria que é ver Martin Freeman, Bob Odenkirk e Billy Bob Thorton atuando juntos. Vale a pena voltar a falar de Fargo logo mais.
Por enquanto, arrisco dizer que Noah foi feliz ao misturar humor, drama, violência (pesadíssimas) e afeto em algumas cenas de fato brilhantes e hilárias (e que você assiste fechando os olhos de tanto constrangimento e suspense).
E, claro, no começo do ano, Nic Pizzolatto mexeu com a estrutura ao ir na contramão do negócio – além de entregar tudo para um mesmo diretor, Cary Fukunaga. Já falamos um pouco sobre isso aqui.
Ei, não podemos esquecer de Louie, um caso que também precisa ser avaliado com calma daqui a pouco. Além de escrever, ele dirige, edita, é o protagonista e mesmo assim faz a melhor série – pelo menos em alguns aspectos – da TV norte-americana.
Exceções ou uma espécie de movimentação autoral (de verdade) diante da proliferação das writers’ room?
O que mais chama a atenção é a infindável capacidade que a TV tem hoje de atrair escritores de qualidade. Sozinhos ou em grupo, eles estão atacando com fúria os formatos, os textos e mostrando quem manda na Era de Ouro das séries.

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