Entrevista: Thiago Dottori – parte 2

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Neste segunda parte da entrevista com o roteirista Thiago Dottori (aqui você lê a primeira conversa), ele explica como foi o processo de escrita dos roteiros de Psi, a parceria com Contardo Calligaris e conta quais são suas séries favoritas, entre elas Mad Men, Breaking Bad e Game of Thrones.

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Como foi o processo de escrita dos roteiros da série Psi? Faziam escaleta [sequência com o resumo das cenas] e um de vocês escrevia o roteiro e diálogos? Quanto tempo levaram para escrever cada episódio?

A gente criou um sistema que funcionou bem na primeira temporada e que estamos repetindo agora. O Contardo conhece as histórias e é o nosso showrunner, assim sempre faz o primeiro levantamento, as sinopses e os temas dos episódios.

A partir disso, a gente sempre discute, geralmente em duas reuniões semanais. Então faço muitas anotações e vou fazendo os documentos necessários. Pela ordem: argumentos, escaletas, roteiros. De modo geral, eu levanto os argumentos, então ele escreve em cima e a gente vai trocando versões desses documentos (até cinco ou seis mais ou menos). Quando achamos que está na hora de avançar, a gente apresenta e recebemos o sinal verde para seguir para a próxima etapa: as escaletas – quando eu levanto a primeira versão e esse processo de troca de documentos se repete, sempre com uma tremenda contribuição criativa da HBO, especialmente da Maria Angela e do Roberto Rios [produtores do canal].

E também, ao longo de toda a escrita, trocamos muito com o Max Calligaris (produtor associado) e o Marcus Baldini (diretor geral) em muitas e muitas reuniões de discussão sobre o roteiro.

Uma vez que temos as escaletas, a gente se divide nos roteiros. Por exemplo: Contardo abre o 1, eu o 2, ele o 3, eu o 4… Então, a gente troca os arquivos e ele vem reescrevendo os meus, e eu os dele. Tudo isso em pastas num Dropbox que só nós dois temos acesso. A gente também divide o processo do roteiro em lotes de quatro a seis por vez. Fazemos esse processo nos seis primeiros e chegamos numa versão. Depois, fazemos isso com mais quatro e assim por diante.

O legal de abrir roteiro assim é que a gente pode pular cenas e deixar para o outro escrever algo que não esteja achando uma boa solução – algumas vezes eu pulo cenas muito específicas de consultório ou de conversa clínica entre Valentina [companheira de profissão e confidente do protagonista] e Carlo e escrevo mais as cenas de “fora”, por exemplo.

Mas, claro, já me arrisquei e abri diversas dessas cenas de divã também, ou da conversa dos dois (até porque as escaletas já têm indicações específicas para essas cenas). Meu maior elogio foi quando escrevi uma boa cena de consultório para Carlo, em que havia de alguma maneira introjetado o raciocínio de um psi, e o Contardo quase não mexeu uma vírgula daquele diálogo.

 

Quantos roteiros estavam escritos antes do início das filmagens?

A gente tinha ao menos dois ou três tratamentos de cada roteiro [são 13 episódios nesta primeira temporada] antes do início das filmagens. Ou seja, pudemos desenvolver a série antes de soltar os cavalos da produção. Mas, claro, o Contardo, especialmente, e eu fomos convocados a mexer nos roteiros de acordo com algumas demandas da produção, bem como pelo efeito de ensaios com os atores.

 

Os roteiros eram aprovados pela emissora? Pediram muitas alterações? Vocês mexiam nele depois que entregavam uma versão final?

Todo o processo de roteiro foi muito bem acompanhado pela HBO, especialmente por Maria Angela de Jesus e o Roberto Rios. Mas mais do que “clientes” que aprovam um “produto”, eles são verdadeiros parceiros na empreitada. Então houve um diálogo constante com o canal, que buscava sempre melhorar a nossa dramaturgia. Nunca essa troca foi no sentido de censurar qualquer uma de nossas ideias ou ainda exigir determinada mudança para que o episódio fosse “aprovado”. Eram trocas artísticas sobretudo, em que eles exerciam aquele “olhar de fora” tão necessário quando você está imerso no mundo que está criando.

psi 2

 

Existe a sondagem para novas temporadas?

Sim. No momento nós estamos escrevendo a segunda temporada. Na verdade, já estamos com todas as sinopses e escaletas e avançando para o roteiro. Temos praticamente os seis primeiros escritos e devemos ter primeiros tratamentos de todos até junho/julho, imagino.

 

Até agora, qual é o balanço que faz ao ver os episódios? Existem coisas que te surpreenderam ao ver o texto na tela? Alguma frustração?

Para ser muito honesto, o balanço é muito positivo. É um trabalho do qual eu realmente me orgulho bastante de fazer parte. Acho que se buscou profundidade nos temas, nos personagens, nos dilemas e eu entendo que isso foi alcançado.

Sim, os episódios me surpreendem. Preciso confessar: o sexto episódio, apesar de ter escrito e de já ter assistido na ilha de edição, me emocionou profundamente quando o vi no ar. Eu realmente me encantei com a personagem da Carolina Mânica – uma sorte que a gente tem quando os atores são capazes de revelar coisas que estavam escondidas na escrita. Também fiquei especialmente tocado com o episódio 8, em que meu irmão, Daniel Dottori, fez o personagem que tem desejo por crianças e achei que ele trouxe de fato uma humanidade que a gente queria e foi muito tocante – mesmo porque é meu irmão, sabe como é. Era um desafio ter empatia por ele, e acho que isso aconteceu.

Outro aspecto fundamental é a atuação do Emílio de Mello. O Carlo é um personagem complexo, não é fácil fazê-lo por uma série de razões, mas, enfim, cara, só para dizer que o Emílio é um ator dos grandes, nenhuma novidade para quem frequenta teatro, mas talvez uma novidade para quem assiste TV.

Além dos atores, acho que a série tem um valor de produção impressionante, está tudo muito bonito, bem filmado, bem cuidado, ou seja, há um baita mérito no trabalho de toda a equipe. E a abertura, claro, é um show à parte.

 

Quais as suas séries favoritas hoje e por quê?

Adoro Game of Thrones, apesar de às vezes achar que tem mesmo muitos personagens e as tramas demoram pra aquecer em função disso, mas, enfim, é maravilhosamente bem produzida, todos os personagens são interessantes, complexos e eu me encanto com aquele universo.

Curto muito House of Lies, uma série de drama com humor, de meia hora, em que você consegue assistir a uns dez episódios um atrás do outro sem se cansar minimamente – tramas dinâmicas, personagens que vão se tornando cada vez mais interessantes.

Também me divirto demais com Veep e Silicon Valley, adoro Newsroom, chapei em Breaking Bad, Sherlock, sou fissurado por Arrested Development… são muitas.

Mas, enfim, o suprassumo pra mim é mesmo Mad Men, que chega agora, infelizmente, na sua temporada derradeira. Sem dúvida a série de que mais gosto. Fico chapado com a levada da série, aquele fogo brando, da aparente banalidade da vida passando, mas que revela uma profunda complexidade escondida por trás da rotina, como se a dramaturgia fosse sobre o subterrâneo daquele mundo e que só nós, espectadores, podemos ter acesso. Fora o charme.

Pra mim é como se Sopranos fossem os gregos, Breaking Bad fosse Shakespeare e Mad Men, Tchekhov. E eu gosto mais de Shakespeare do que de Tchekhov, mas não exatamente na televisão.

 

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