Sobre viagens no tempo, aliens e marmotas

gal-groundhog-day-murray2

Três obviedades: filmes que relatam viagens no tempo são legais; Looper foi o mais legal dos últimos anos; De Volta para o Futuro é o mais legal de todos.

Agora temos a oportunidade de ver dois longas em cartaz com esse tema.

Começando pelo mais simples. X-Men – Dias de um Futuro Esquecido aproveita com ótimos requintes visuais (e uma cena clássica) uma história já contada nos quadrinhos – e um pouco nos cinemas, em O Exterminador do Futuro.

A idéia é básica, mas eficientíssima. As coisas ficam insuportáveis para os mutantes alguns anos lá na frente. A única ação capaz de evitar a extinção da raça é mandar um salvador para o passado e corrigir a rota.

O expediente foi usado há poucos anos por J.J. Abrams para refundar a franquia de Jornada nas Estrelas (devidamente homenageada no novo X-Men). Dá muito certo.

Até porque os longas com a turma dos geneticamente danificados (ou abençoados) contam com um dos melhores castings da história do cinema recente. Para qualquer época que você olhe, encontrará ótimos intérpretes (até o imortal consegue o sempre competente registro de Hugh Jackman).

Em que universo você pode topar com Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Ian McKellen, James McAvoy, Helle Berry, Ellen Page e a fila só cresce? Agora ainda acertaram mais uma vez na loteria enfiando o grande Peter Dinklage como inimigo.

Este sétimo filme conta com a volta na direção de Bryan Singer, um ótimo clima setentista e, graças a algum bom Deus, cenas de ação pausadas e compreensíveis, editadas com carinho e não por um açougueiro.

Porém, todo o papo de viagem no tempo importa mais pra gente ver a interação entre esses cativantes personagens. A franquia mais uma vez fala sobre os excluídos, preconceito e política. Esses grandes temas enriquecem a narrativa e fortalecem os diálogos. Assim, a brincadeira temporal serve como desculpa para mover a trama (mas não é a trama).

De qualquer forma, é sempre um prazer reencontrar essa turma.

Já em No Limite do Amanhã, de Doug Liman, a volta ao passado é a questão central. Sinto que o filme parece meio desprezado pelo público. Pena.

Inspirado por um romance de Hiroshi Sakurazaka, a obra deve virar referência quando o assunto for viagem no tempo.

Como o último filme estrelado por Tom Cruise, Oblivion, esse daqui também tem uma miscelânea de referências, climão distópico e uma parceira interessantíssima. Mas No Limite do Amanhã traz uma incansável tentativa de injetar frescor num tema batido.

Todo o lado psicológico da ficção eu deixo nas boas mãos do psicanalista, roteirista e escritor Contardo Calligaris. Neste artigo da Folha de S.Paulo ele explica tudo o que pode acontecer nas nossas cabeças ao assistir a esse tipo de narrativa.

O que mais me fascina é como os roteiristas Christopher McQuarrie, Jez Butterworth e John-Henry Butterworth conseguiram meter aliens no Feitiço do Tempo e mesmo assim fazer um ótimo filme (e com resquícios de Tropas Estelares e, claro, O Resgate do Soldado Ryan e qualquer um que lembre o Dia D).

Quantas maneiras você pode contar a mesma história? É disso que se trata No Limite do Amanhã.

Pois não apenas o militar Bill Cage (Tom Cruise) está condenado a voltar sempre para viver o mesmo dia, como toda a humanidade parece predestinada a cometer os mesmos erros (a guerra).

Não dá pra contar muito da história sem estragar qualquer prazer das descobertas.

O que temos aqui é uma intensa reflexão sobre a narrativa. Um enérgico exercício de roteiro, em que cinco minutos de filme viram duas horas pelo simples reordenamento de alguns dos seus elementos principais.

É um cálculo matemático infinito e maravilhoso, que nos impulsiona a escrever cada vez mais histórias.

Cada fragmento ganha seu método cinematográfico próprio. Às vezes a história é contada com começo, meio e fim; em outros momentos, começa no meio; em alguns trechos, é picotada e transmitida por apenas uma imagem etc.

O jogo narrativo patrocinado por Doug Liman é de uma extraordinária riqueza. E quando a gente se acostuma com os lances, ele rapidamente muda a estrutura para outro local, enriquecendo ainda mais a trama.

Apesar do final apaziguador e confuso, é um filme que merece ser estudado pelo grau de competência ao lidar com viagens no tempo.

Não tem marmota, mas os polvos alienígenas esquisitões dão conta do recado.

 

Deixe um comentário

Blog no WordPress.com.

Acima ↑