Jack e Sam: uma dupla explosiva

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Talvez Jack Bauer seja o anti-herói mais contemporâneo e fundamental da tal nova era de ouro da TV norte-americana. Tanto é assim que o sujeito não se dá ao trabalho de morrer (e olhe que o cabra teve infinitas chances de desaparecer para sempre).

Também, como dispensar Kiefer Sutherland de interpretar o personagem se todos os dias surgem fatos que automaticamente pedem a comparação com cenas da série 24?

Veja a nona e mais recente temporada (que, ao contrário das outras, teve 12 e não 24 episódios). As duzentas e tantas tramas (numa contagem modesta) giram em torno de uma possível guerra arquitetada por… russos. Eu sinceramente não me espantaria se Bauer for encontrado saqueando os corpos nessa terrível história do avião abatido na Ucrânia.

(Ah, esqueci de dizer, se você começou a assistir agora pela Rede Globo – que pecado perder no Ibope para o Sílvio Santos -, pule todos esses spoilers e vá direto para o trecho abaixo, quando escrevo sobre Sam Peckinpah.)

Surgido em 2001 para refletir o trauma (e a política) após os atentados do 11 de Setembro, o agente criado por Joel Surnow e Robert Cochran já pode ser embalsamado e exposto como o digno sucessor de James Bond – até porque essa última temporada se passou em Londres.

Ninguém na última década soube tanto se meter na política internacional – e salvar o planeta – como Jack Bauer. A única coisa chata é que o coitado sempre perde as suas mulheres e pouco se diverte nos lençóis. Porém, essa castidade só o separa ainda mais de Bond e o torna único no nosso tempo.

Eu pagaria algumas libras para espiar a sala de roteiristas da série. Não existe um conteúdo audiovisual hoje tão recheado de bombas-relógio quanto 24: Live Another Day. A arquitetura dos dramas e sequências atingiu um nível espetacular com o enxugamento dos episódios. É um constante armar e desarmar que nos tira o fôlego e provoca alguns gritos de espanto a cada dez minutos.

Tudo indo do macro para o micro, com as histórias se ligando e depois se separando e ficando juntas novamente, como espirais dentro de espirais. Essa temporada de 24 foi como um daqueles entroncamentos de estradas da Califórnia, com camadas de concreto se cruzando e nos levando para dezenas de lugares diferentes.

Nesta ótima entrevista para o site Vulture, o co-showrruner Manny Coto explica como surgiram algumas das cenas e por que decidiram por certos acontecimentos. Uma excelente aula sobre dramaturgia.

E o melhor de tudo: quando falam que “nenhum roteirista poderia ter imaginado tal coisa”, podemos responder que “os caras de 24 poderiam sim!”.

*

Já que o papo é porrada e um machão que não consegue se aposentar, nada melhor do que enfrentar os filmes de Sam Peckinpah, que ganhou retrospectiva no Cinesesc.

Para mim, foi uma revelação rever Sob o Domínio do Medo (1971) e observar a precisão do seu roteiro (de David Zelag Goodman e Peckinpah).

Há uma apresentação impressionante de elementos e tramas, com tudo sendo resgatado de forma impactante naquele cerco de trinta minutos. Uma obra-prima, sem dúvida, com enorme pensamento sobre imagens e ritmo.

Claro, Meu Ódio Será sua Herança (1969) permanece como clássico incontornável. Mas Sob o Domínio do Medo cresceu bastante na revisão, entrando no panteão dos ótimos filmes dos anos 70.

Bem que o Sesc poderia continuar distribuindo o catálogo da retrospectiva mesmo com o fim das sessões. No livrinho há bons ensaios e críticas, mas a melhor parte é a entrevista que o diretor concedeu para a Playboy em 1972. Um espetáculo que desvenda a mente de um artista apaixonado por muitas coisas, entre elas, o cinema. Abaixo, alguns trechos:

• “Eu não faço documentários. Os fatos sobre o cerco a Troia, o duelo entre Heitor e Aquile e todo o resto são muito menos interessantes para mim do que o que o Homero tirou disso. E, de qualquer forma, os fatos em si tendem a ofuscar a verdade. Como sigo dizendo, sou apenas um contador de histórias. Nem tenho mais certeza do que acredito. Uma vez eu dirigi uma peça de [William] Saroyan na qual um dos personagens perguntava a outro se ele morreria por aquilo em que acreditava. O cara respondia “Não, eu posso estar errado”. É nisso que me encaixo. Não vou ficar no caminho entre meu público e a história. Eu odeio aquela sensação no cinema de estar mais consciente do que o diretor está fazendo do que aquilo que de fato está na tela.”

• “Eu cheguei longe e paguei um preço. Me custou bastante – talvez minha sanidade e pelo menos dois casamentos – e não sei se o jogo valeu a pena. Às vezes eu tenho vontade de mandar para o inferno e cair fora, mas não posso fazer isso. Eu fico ou então sei que não sou nada. Então olho à minha volta e percebo que não estou completamente sozinho. Há talvez uns 17 de nós no mundo. E somos uma família. Uma família composta de caras que querem fazer seu número e ir em frente. É a única família que existe. Meu pai disse tudo um dia. Ele me deu a ótima fala de Steve Judd em Pistoleiros do Entardecer: ‘Tudo o que quero é entrar em minha casa legitimado.’.”

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