A premissa do livro Cozinhar (Intrínseca), de Michael Pollan, “é a de que cozinhar – compreendido aqui num sentido amplo que abrange toda a multiplicidade de técnicas concebidas pelas pessoas para transformar materiais crus extraídos da natureza em coisas nutritivas e atraentes para comermos e bebermos – é uma das atividades mais interessantes e recompensadoras que os seres humanos podem fazer”.
Mesmo já tendo lido outras obras dele e visto Pollan falar sobre comida, quando degustei (droga, não resisti) as primeiras páginas de Cozinhar fiquei imensamente grato e surpreso. Esse careca magrelo sabe mesmo como nos envolver e convencer.
Faltavam uns 20 minutos para o início da sessão de Os Guardiões da Galáxia e eu continuava entretido com as primeiras páginas desse novo livro do jornalista norte-americano – vale mencionar que o papo dele na Flip deste ano foi dos mais satisfatórios.
Em certo momento, rabisquei no meu caderninho a frase: “O que perdemos quando deixamos de cozinhar?”. E aí, claro, estão embutidas não somente as questões físicas (comer alimentos industrializados não é uma boa) como as neurológicas e metafísicas. E então pensei e falei alto para o meu café e o bolo de laranja: “E o que perdemos quando deixamos de ir ao cinema?”.
Parodiando a premissa de Pollan: “ir ao cinema – compreendido aqui num sentido amplo que abrange encontrar amigos, comprar ingressos, escolher um lugar para sentar, assistir ao filme, comentar, seguir pensando nele e até mesmo escrever alguma coisa sobre – é uma das atividades mais interessantes e recompensadoras que os seres humanos podem fazer”.
Ver filmes apenas na TV ou sozinho em casa é como passar o resto da vida assistindo aos programas culinários e nunca de fato meter a mão na massa na cozinha (mesmo que seja apenas fritando um ovinho).
Cada vez mais acredito que o pacote completo da experiência cinematográfica (com bônus de xingar o flanelinha e pegar o metrô apinhado) está anexado ao valor que damos para os filmes.
Ir ao cinema não consiste apenas em observar uma obra de arte (ou um bom entretenimento ou uma bomba total), mas também é aprender mais sobre como conviver em sociedade, encontrar pessoas, criar narrativas e buscar conforto na civilização.
Ir ao cinema, portanto, é parecido com cozinhar.
Até agora usei algumas anotações soltas daquela tarde e posso confirmar que o café não estava batizado.
Duas horas depois, na saída de Guardiões da Galáxia, eu estava ainda mais confiante nas minhas teorias (que não são novas, mas são minhas).
Como sacar todo esse universo Marvel dirigido por James Gunn (o sujeito trabalhou na Troma, então, meus cumprimentos) sem estar ao lado de uns 37 nerds que funcionam como uma perfeita claque, indicando as referências e o melhor ponto para as minhas risadas? Como não aplaudir junto em dois ou três momentos realmente divertidos? Como não ficar encantado com o clima Star Wars encontra Indiana Jones se você está numa poltrona confortável, no escuro ideal, ouvindo o som criado especialmente para cada cena? Como não buscar no olhar dos espectadores, quando acendem as luzes, a aprovação ou desprezo cúmplices? Ou, diria um, como não dormir gostosamente embalado por tiros no espaço e a história de um guaxinim (voz de Bradley Cooper) que tenta salvar um planeta e é ajudado por uma árvore que fala apenas “I am Groot” (fala de Vin Diesel)?
Sacanagens à parte, o filme é uma delícia. Como não entendo nada de quadrinhos, sempre fico aliviado quando percebo que um longa baseado em personagens de HQs despreza autorreferências ou uma trama complexa e cifrada.
Guardiões da Galáxia se dedica a mostrar a ruidosa convivência entre quatro ótimas figuras: um saqueador espacial, uma alienígena verde (espécie de Fiona gata depois da dieta) e as duas criaturas mencionadas anteriormente. Só que eles estão no espaço e lutam contra Darth Vaders e mercenários. Ok, a gente aguenta bem duas horas disso e nem precisamos prestar muita atenção em nomes como Yondu, Necrocraft e Sakkaran.
Para os mais exigentes, há participações incríveis de Glenn Close, Djimon Hounsou, John C. Reilly e Benicio Del Toro e até mesmo citação ao O Falcão Maltês.
Como diria Pollan, eu saí satisfeito (nem cheio nem morrendo de fome). O que só me deu vontade de logo mais curtir outra refeição.
Não sei se consegui ligar livro e filme, mas a sensação foi que jamais Guardiões da Galáxia seria tão bacana se eu o conferisse na telinha do computador.
Acho que cada vez mais ver filmes em casa é como comer comida congelada. Todos os ingredientes básicos para matar a fome estão lá, mas faltam aquelas coisinhas extras que realmente dão prazer.
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Abaixo, Robert Rodriguez mostra como se prepara um prato rápido.

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