Ricardo Tiezzi é roteirista, professor e escritor. Coordena a pós-graduação em Argumento e Roteiro da Faap, onde também dá aulas. Ministra oficinas de narrativa audiovisual na AIC (Academia Internacional de Cinema) e é mestrando do programa de Cinema, Filosofia e Religião da PUC-SP.
Escreve para a TV Globo e fez roteiros para diversas séries e novelas, entre elas Agora Vai (Sony), A Vida de Rafinha Bastos (Fox), Julie e os Fantasmas (Band/Nickelodeon), Mothern (GNT), Malhação (Globo) e Floribella (Band).
É autor do filme Qualquer Gato Vira Lata e de Superpai, que tem estreia prevista para o primeiro semestre de 2015.
Também lançou o livro de crônicas O Primo de Deus e o romance policial O Sorriso da Morte.
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Na sua opinião, quais as melhores séries atualmente em exibição na TV? Por quê? Em primeiro lugar, Louie. Em segundo, Louie. E, por fim, Louie. Não que eu tenha toda essa convicção, mas porque é a única que estou conseguindo acompanhar. Vejo Mad Men também, mas não com a frequência que a qualidade da série exige.
Sobre Louie, um dos motivos que a coloca entre as grandes é a ruptura de todas as unidades. A série tem muita variação de tom e mesmo a unidade narrativa é ignorada. O episódio do Robin Williams, por exemplo, começa de um jeito e termina de outro.
Mas esse ainda é o motivo secundário. O principal é que Louie vai da risada ao desespero em um mesmo episódio. E tem ousadia pra falar de qualquer tema, mesmo os mais difíceis, como pedofilia. Enfim, todas as escolhas que Louie faz exigem coragem artística gigantesca.
Quais as cinco séries mais bem escritas que você já viu? Lost teve as três últimas temporadas bem fracas e um final ok, mas pelo que ela me proporcionou nas três primeiras temporadas – madrugadas adentro naquele universo trágico – eu considero que foi uma experiência decisiva.
Gosto muito da versão americana de In Treatment. Grande dramaturgia com quase nada de cenário e poucos personagens em cena. Muito subtexto, interpretações absurdamente boas e aquele negócio: alívio para momentos difíceis.
Posso ser um herege no que vou falar, mas Breaking Bad tem inúmeras soluções de enredo que não me convencem. Alguns plots, pra funcionar, dependem de muitos personagens escolherem exatamente aquelas possibilidades que os roteiristas querem. Ok, então por que estou mencionando? Porque em relação ao tema – uma pessoa comum pode se converter no mal quase absoluto de acordo com as circunstâncias – acho que Breaking Bad tocou em um nervo.
Gosto da série The Office, americana e inglesa (assim posso citar duas pelo preço de uma).
Enfim, uma série cabeça à lista. Lá nos anos 1980 Kieslowski realizou uma grande obra chamada Decálogo, que atualiza os dez mandamentos para uma Polônia saindo do comunismo. Uma bela premissa com episódios que conseguem estabelecer o diálogo entre a realidade e o milagre.
O que falta para o Brasil produzir mais séries com a qualidade dos melhores produtos televisivos norte-americanos e europeus? Antes de tudo, é preciso inverter a pirâmide da criação. Aqui o poder criativo das séries está na mão dos produtores, depois dos diretores e, por fim, dos roteiristas (em alguns casos o assistente de fotografia vem antes). Quando o que funciona, nas séries estrangeiras ou nas novelas da Globo, é o contrário.
Não digo isso para levantar bandeira corporativa, até porque o segundo passo pra chegar lá é que nós, os escritores, precisamos ainda crescer muito. Uma série dessas que deixa sua marca na cultura depende de pelo menos cinco grandes escritores nos seus melhores momentos durante muito tempo (e mesmo assim às vezes não dá certo). Será que a gente consegue montar uma sala assim? Aqui não vai nenhum demérito, mas senso de proporção: é preciso estudo, conhecimento, maturidade. Não só em relação à teledramaturgia, mas em relação às questões humanas.
Da parte dos produtores, é preciso ter mais coragem. Coragem para investir, porque de cada dez séries desenvolvidas no papel é capaz que uma vingue – e essa é uma proporção até generosa quando se mira alta qualidade. Coragem para criar um ambiente que tente inovar em temas e histórias. E conhecer dramaturgia o suficiente para manter um diálogo criativo rico e confiar nos seus escritores.
Da parte da direção, é necessário a mesma coisa que Nelson Rodrigues pedia aos diretores de suas peças: seja burro. Não seja um gênio, vá lá e dirija o que está escrito. Li em algum lugar que quando dirige séries Juan José Campanella segue a partitura, ou seja, o roteiro. E o cara já ganhou Oscar. Aqui cansei de ver diretores de primeira viagem para quem o texto é só um detalhe (que atrapalha sua criatividade).
Com tudo isso, a pergunta embute um otimismo – a de que vamos chegar lá. Uma outra boa pergunta seria: será que vamos?

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