Depois de meia hora de projeção de Magia ao Luar, o 44º filme dirigido por Woody Allen, a gente até acredita que o cineasta norte-americano finalmente se rendeu ao espiritismo e realizou o seu Nosso Lar.
Mas, o maior spoiler possível já foi entregue nos créditos. Sabemos um tanto sobre as preferências religiosas e a filmografia de Allen, portanto, o negócio é esperar pela vitória do ateísmo – e da magia do cinema.
Talvez essa previsibilidade estrague um pouco o filme – e também certas cenas requentadas de outros trabalhos dele, como a da entrada no observatório, que lembra Manhattan. Mas fazer o quê? É o preço de ser prolixo, de produzir muito. Assim como os grandes cineastas, Allen faz o mesmo filme há tempos. Será que isso o carrega para o inferno da mediocridade?
Não desgostei tanto de Magia ao Luar quanto os principais críticos norte-americanos (aqui um exemplo). Até mesmo me ajeitei na cadeira para acompanhar a história. Porém é inegável uma falta de energia, uma frouxidão de muitas sequências (como aquela interminável em que Stanley conversa com a tia e se descobre apaixonado).
Temos aqui os temas tradicionais da obra alleniana: arte, picaretagem, religião, amor, golpistas, garotas ingênuas, homens espertos. Stanley, conhecido como o mágico We Ling Soo (Colin Firth) vai para a Riviera Francesa desmascarar Sophie (Emma Stone), uma médium que se apresenta para os ricaços.
Ele, homem da ciência, fã de Darwin e Nietzsche, enfrenta com desdém o poder sobrenatural dela, uma charmosa garota do interior dos EUA que diz usar suas leituras espirituais apenas para ajudar os outros.
Com a convivência, ambos descobrem que usam a vida para enganar. Só que Stanley acredita que a sua mágica é prevista nas leis da física e na realidade do mundo, portanto, tem a ciência ao seu lado.
Sophie entende os argumentos do mágico inglês, mas como explicar o inexplicável? Ela simplesmente consegue falar com os mortos e acessar um mundo que talvez ainda não tenha sido descoberto por mentes brilhantes e céticas como a de Stanley.
Adivinhem o que acontece entre esse casal antagônico?
Colin Firth está excepcional, mesclando a simpatia de Jack Lemmon com certo charme de antigos galãs – e tentando ao máximo buscar força em seu personagem, como na bonita sequência no hospital.
Mas quem injeta personalidade e nos cativa é Emma Stone, uma cocota atraente e persuasiva – seu melhor papel no cinema. Ela apenas flerta com a garota burra tão comum no cinema de Allen. Apesar de sua ignorância filosófica, Sophie é a musa capaz de nos mostrar a verdade. Tudo passa por ela, é o filtro da existência de todos no filme.
Vale destacar também a elegante fotografia de Darius Khondji, capaz de adquirir um atmosfera impregnada de sal e sol do litoral mediterrâneo nas primeiras décadas do século passado.
Magia ao Luar resiste bem como uma comédia romântica, traz meia dúzia de bons diálogos, não há vulgaridades, porém seu grande recado intelectual soa frouxo. Afinal, sabemos desde o início o que Allen quer nos dizer.
Muito diferente é Lucy, de Luc Besson, que parece ter nada para nos falar. Ou pelo menos tem uma coisa fundamental: Scarlett Johansson é um assombro.
Ela faz a personagem do título, uma aventureira norte-americana que se mete numa enrascada em Taiwan. Ao ser obrigada a entregar uma misteriosa pasta para um bandidão, Lucy ingere uma dose generosa de CPH4, uma droga experimental que faz a pessoa usar a capacidade cerebral humana num nível inédito.
Após adquirir superpoderes, como se desmaterializar, levitar pessoas e objetos, interferir nas ondas eletromagnéticas, ela desce o cacete nos vilões, passa a ser perseguida por um coreano mafioso e pede ajuda para um neurocientista (Morgan Freeman).
A grande vantagem do cinema de Luc Besson é sua agilidade ao colocar mulheres no foco da ação. Numa época em que Os Mercenários 3 prova a força dos machões, nada melhor do que observar a energia de Scarlett e um cinema menos voltado para o universo masculino.
Em Lucy, assim como acontece no filme de Woody Allen, a ciência dá as cartas. Qualquer coisa sobrenatural ou espetacular um dia poderá ser explicada pelo cérebro humano. Será?
Enfim, qualquer dúvida ou questão metafísica – ou mesmo científica – não interessa para Besson. O que vale aqui é a montagem frenética (um abuso de stock footages), o didatismo (a conferência do Morgan Freeman beira a troça) e a tradicional coreografia da violência (tiros, perseguições de carro e nada muito empolgante).
Não desgostei tanto de Lucy quanto o Álvaro Pereira Júnior. Mas também acho que o roteiro é uma tremenda confusão. Ainda não saquei por que Lucy é capaz de acabar com o mundo num piscar de olhos, mas insiste em procurar a ajuda de um policial francês brincalhão.
Há gente pateta em ação o tempo todo e o que importa para Besson é levar os personagens para o confronto. Como ponto forte, tenho que admitir que a escolha do MacGuffin de Lucy é maravilhoso, cabendo lindamente no trailer.
De qualquer maneira, o filme é rapidíssimo, não incomoda, e traz Scarlett misturando três dos seus melhores papéis: a força física da Viúva Negra, o corpo desajeitado da alienígena de Under the Skin e a sedução da fala de Samantha (Her). São bons motivos para ver um filme.


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