A vantagem de ler entrevistas com roteiristas é que os melhores conselhos aparecem sem nenhum didatismo ou pregação. Além de ser divertido e curioso saber como seus ídolos escreveram páginas que você admira (leia-se: inveja), existe grande chance de captar uma lição inédita e inesquecível.
Nessas conversas, os mestres não têm que explicar o bê-á-bá do negócio e podem pular as dicas tradicionais (leia roteiros, veja filmes, escreva todos os dias etc.). Assim, no meio de uma anedota sobre Hitchcock ou como tal diretor era um crápula, há uma frase que ilumina aquela cena que você não conseguia terminar.
Nesse papo com Ernest Lehman, por exemplo, conseguimos extrair alguns bons ensinamentos. Roteirista de Sabrina, O Rei e Eu, Intriga Internacional, Amor, Sublime Amor, A Noviça Rebelde, Quem Tem Medo de Virginia Woolf? e mais uma pancada de grandes filmes, ele morreu em 2005.
O sujeito sabia como adaptar uma obra para o cinema. O trecho sobre como pensava onde colocar cada cena musical é perfeito para gente entender que as coisas ocupam os lugares certos num roteiro – ao contrário do que muitos diretores e produtores pensam quando simplesmente trocam sequências sem nenhum critério.
Mas o que me pegou mesmo foi quando mencionou o trabalho que é lidar com diretores que não escrevem seus próprios filmes.
Em determinado momento, Lehman diz que os roteiristas precisam ser inteligentes ou sortudos para “perder as batalhas certas”.
Pois é isso mesmo. O clima de guerra e fogo amigo entre o escritor e direção é inescapável. Em algum momento você terá que defender seu texto (e isso pode ser muito saudável para o projeto). Prepare-se para o conflito.
Mas o que é “perder as batalhas certas”?
Você deve estar preparado para jogar aos leões algumas de suas crias – até mesmo uns filhotes bonitinhos, mas que certamente não farão falta mais tarde. É cruel, mas você precisa olhar para seu roteiro e enxergar quais são os pontos que poderá abrir mão quando a batalha ficar sangrenta.
Isso pode soar maquiavélico e chato (e é), mas são dezenas (centenas, milhares) de pessoas envolvidas nessa brincadeira que você criou. Como Lehman diz, muitas delas se sentem ameaçadas pelo roteirista – a imagem do diretor circulando com um calhamaço debaixo do braço que não é dele, mas traz tudo o que importa, chega a emocionar quem escreve.
Num caso extremo, talvez até tenha que apelar para o famoso “boi de piranha”. Sempre chega o momento em que você observa uma meia dúzia de bobagens no seu roteiro. Podem ser coisas pequeninas, que necessitam apenas de mais um tempo e não prejudicam o todo. Mas você sabe que poderia cortar aquelas arestas, diminuir o tom, correr com a cena ou simplesmente extirpar a sequência. Os erros estão explícitos. E o que você faz? Nada. Você deixa essas gordurinhas ali, tirando um pouco o brilho do trabalho. Porque assim, quando os palpites chegarem (e pode ter certeza que eles vão aparecer aos montes), você já sabe o que pode sacrificar e mexer.
Eu não sou tão frio e calculista assim. Não consigo criar cenas que considero fracas apenas para distrair o diretor e o produtor. Mas sempre fico de olho em quem eu posso perder.
Ei, mas e se a turma justamente amar aqueles pontos que você deliberadamente deixou para eliminarem/melhorarem? Bom, aí eu recomendo que você procure respostas com um psicanalista, pois realmente alguma coisa está muito errada nesse projeto (pior: quem está certo?).
Para terminar num tom alegre: nem todas essas lutas são horrendas. Muitas delas te ajudam a entender por que (e por quem) você está lutando.

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