O Rio de Janeiro está levando uma goleada nos cinemas na atual temporada.
Apesar de pedirem para gente amar a capital fluminense, quem está conquistando os corações é, mais uma vez, Nova York.
Vale mais a pena ver onze vezes Era uma Vez em Nova York (The Immigrant), de James Gray, do que fazer uma única visita a qualquer sala que exiba os dez segmentos de Rio, Eu te Amo.
Ainda bem que apenas quatro episódios dessa empulhação fabricada para promover a Cidade Maravilhosa foram dirigidos por brasileiros – seria muito humilhante constatar que nossos cineastas estão tão desprovidos de talento.
Apesar que o pior curta, Cristo Redentor, é tenebrosamente comandado pelo José Padilha, o homem que mais angariou público para um filme nacional. Eu adoraria saber se ninguém – nem um estagiário com ímpetos rebeldes? – foi capaz de perceber o quanto esse episódio é infantil e patético.
Para a nossa sorte, há pelo menos quatro filmes razoáveis em cartaz que fazem a gente gritar: “Nova York, eu te amo de montão”.
Dois nos pegam justamente pelo que Rio, Eu te Amo, poderia nos comover: a música.
Em Mesmo se Nada Der Certo (Begin Again), de John Carney, Mark Ruffalo faz um executivo que acaba de perder sua famosa e prestigiada gravadora. Alcoólatra e falido, entra num bar do East Village e encontra Gretta, uma tímida cantora meio deprê, mas com alguma coisa para ser trabalhada – óbvio, já que ela é Keira Knightley, essa adorável mistura entre Audrey Hepburn e Sasha Grey.
A garota sorri, mostra seus dentinhos tortos, conta uma triste história amorosa e pronto. Juntos, vão gravar um álbum “ao vivo” em diversos pontos da Big Apple.
Mais “Nova York, Eu te Adoro” é impossível. Lá vamos nós andar de mãos dadas pela Times Square, Central Park, Union Square e cantar ao pé do Empire State Bulding.
A dupla é charmosa, a música funciona e o vilão (Adam Levine, do Marron 5) também tem lá seu lado fofinho (as piadas em relação a sua barba hipster são impagáveis).
Acima de tudo, Carney não é uma besta. Joga com as mesmas emoções de seu sucesso Once e consegue injetar bastante energia na montagem, embaralhando ações, indo e voltando no tempo e colocando diversos pontos de vista numa mesma sequência (a primeira meia hora é ótima).
E para dar uma chacoalhada geral e nos ganhar de vez, temos o carisma de CeeLo Green. Estamos diante de uma cidade generosa com os artistas imigrantes – Gretta é britânica.
Música e arte também são as questões de Tudo Acontece em Nova York (Swim Little Fish Swim).
Lola Bessis (co-diretora junto com Ruben Amar) é uma ingênua “vídeo-artista” francesa que pretende exibir seus trabalhos nos EUA para impressionar a mãe, uma famosa artista plástica.
Assim como acontece em Begin Again, ela está prestes a se mandar e desistir dos sonhos quando encontra um nova-iorquino da pesada, que entende de música e topa abrigar o talento da estrangeira.
Aqui a gente vai caminhar muito por Chinatown e conviver com hipsters e uma trilha sonora saída dos sonhos de qualquer músico indie. Infelizmente tudo desemboca numa solução rápida e fácil, quase brega.
Mesmo assim, dá para sacar o recado. Você tem ideias? Quer ser um artista? Nova York te espera.
De certa forma, a música também faz vibrar o melhor trecho de Rio, Eu te Amo. Dirigido pelo coreano Sang-soo Im, revela todo o talento de Tonico Pereira (engole todo mundo, até o coitado do Harvey Keitel), um vampirão que celebra a vida entre as mulheres da favela do Vidigal.
Há pelo menos um plano genial (de Roberta Rodrigues na cama, com a cabeça abaixada) e bastante inventividade. Afinal, por que não arriscar alguma coisa num projeto tão picareta como esse?
Voltando para Nova York, podemos ver duas obras nas quais os imigrantes tropeçam nas armadilhas da grande cidade.
Marion Cotillard (sempre fascinante) é a polonesa Ewa Cybulska, que chega a Nova York pela Ellis Island, em 1921. Sua irmã tuberculosa não passa na triagem e Ewa segue para a cidade escoltada por Bruno Weiss (Joaquin Phoenix, um monstro), espécie de empresário da noite e cafetão.
A fotografia sépia – e brilhante, fantástica, envelhecida, maravilhosa – de Darius Khondji nos mostra a luta no Lower East Side e a prostituição em inferninhos – e também ao ar livre (livre?).
A presença do mágico Emil (Jeremy Renner) coloca mais conflito na história e forma o trágico triângulo amoroso dos imigrantes.
Fica difícil escrever qualquer parágrafo sucinto sobre essa belíssima obra de arte – então deixo para quem sabe: Richard Brody, da New Yorker.
Essa dureza das ruas aparece no episódio de Guillermo Arriaga de Rio, Eu te Amo. Intitulado “Texas”, traz bastante conflito na figura de um boxeador sem um braço e sua mulher paraplégica. É o outro curta razoável do filme (pelo menos parece existir algum interesse do realizador em dizer alguma coisa).
Para fechar o turismo por Nova York, podemos nos entreter em quartos de hotéis de luxo na companhia de Devereaux (Gerard Depardieu), chefão de um fundo internacional e possível futuro presidente da França (personagem inspirado em Dominique Strauss-Kahn), que destrói tudo o que toca em Bem-Vindo a Nova York.
Abel Ferrara coloca muito de suas preocupações e força nessa história. Dividido em três atos (mais aqui), impressiona pela coragem (quem diria, hoje isso soa revolucionário) ao mostrar as taras de um literal porco capitalista.
Como lembrou o crítico Paulo Santos Lima, nunca antes eu tinha visto na tela do cinema um cara dando tapa de lado em peito de mulher ou gemendo daquela maneira.
Ferrara mostra Nova York fazendo uma justiça torta, virando uma cidade capaz de enganar até o mais safo dos tratantes. Tudo parece desagradável e tenso – mas justamente por isso mesmo, irresistível.
O cinema (ou os diretores, roteiristas e produtores) foram cruéis com o Rio de Janeiro neste ano. A cidade merece muito mais.
Enquanto isso, vamos para Nova York.


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