Encontro com Tom Perrotta – parte 1

little children

Só pode ter sido culpa do Arrebatamento (o fenômeno que fez 2% da população desaparecer no livro The Leftovers).

No último sábado de setembro, somente dez pessoas estavam no auditório de uma livraria dos Jardins, em São Paulo, para conversar com o escritor e roteirista norte-americano Tom Perrotta, autor de seis romances.

Provavelmente, interessados em literatura e na escrita de filmes e séries lotavam a sala, mas foram abduzidos assim que o autor entrou no recinto. É a única explicação para o descaso.

Acompanhado da mulher, Mary Granfield, Perrotta foi gentil e eloquente. Falou por cerca de uma hora e meia sobre seu processo criativo, contou boas histórias, elencou ídolos e referências e distribuiu alguns autógrafos.

O evento fez parte de um braço da Tarrafa Literária, que tem o epicentro em Santos, um colóquio de escritores organizado por José Luiz Tahan.

Perrotta falaria no mesmo dia à noite num teatro da cidade do litoral paulista. Tenho certeza que na praia o Arrebatamento foi menor.

Perrotta já teve dois de seus livros adaptados para o cinema: Eleição (filme de mesmo nome dirigido por Alexander Payne em 1999) e Criancinhas (que virou Pecados Íntimos, de Todd Field, 2006). Neste ano, adaptou, junto com Damon Lindelof, seu The Leftovers, a melhor estreia de uma série da TV norte-americana na temporada.

Baseada em seu livro de 2011, já falei dela um pouco aqui.

Conversando baixo e raramente encarando o tímido público, Perrotta disse coisas interessantíssimas. Abaixo, algumas delas.

*

BALZAC

O escritor francês do século 19 foi o seu herói no começo da carreira. Ele se impressionou com o poder democrático de Balzac, a capacidade que ele tinha de “olhar para essa sala e conseguir contar a história de cada um”. Perrotta achava isso mais fascinante do que Shakespeare, por exemplo, que parecia sempre falar apenas dos dramas dos poderosos. Reconhece que hoje pode ser meio cansativo ler Balzac, pois ele se detém em descrições detalhadas. Mas também afirma que isso era necessário pois não vivíamos numa época onde abundam imagens e referências. Perrotta gosta do simples e do “menos é mais”.

MARK TWAIN, ERNEST HEMINGWAY E LEONARD

Ele considera que seu estilo foi forjado a partir dessa trinca, que propõe uma escrita mais objetiva, clara e simples estilisticamente. Gosta especialmente da frase de Elmore Leonard sobre “pular as partes chatas” (aqui os mandamentos de Leonard).

ROMANCE

Um livro é feito da seguinte frase: “Como determinado personagem justifica as suas escolhas erradas para ele mesmo”. A literatura é pensada para se entender o mundo e as pessoas, para fazer um imagem mais próxima do real de como o planeta funciona.

AULA DE ESCRITA CRIATIVA

Perrotta fez sucesso logo no primeiro curso de escrita criativa que fez. Seus textos sobre o ambiente onde tinha crescido e as histórias de sua infância agradaram a turma. Foi um estouro. Porém, um professor fez a clássica ressalva: “Você tem que escrever além de seus conhecimentos, sobre as coisas que você não domina”. Perrotta tentou sair de sua zona de segurança e fracassou enormemente. Não conseguia mais escrever qualquer coisa digna. Ele demorou cinco anos para superar o péssimo conselho do mestre e voltar a falar sobre as coisas que sabia.

PROFESSOR

Sem conseguir publicar seus livros, ele foi dar aulas. Na classe, tentava descobrir se realmente sabia alguma coisa sobre literatura. O contato com os alunos foi fundamental para trocar experiências e desenvolver de fato a sua vocação. Além disso, para se preparar, teve que ler muito e com bastante atenção. Isso o ajudou a compreender o próprio texto.

ELEIÇÃO

Seu primeiro sucesso, na verdade, era um imenso fracasso. Ele escreveu Eleição em 1993, tentando emular o espírito da eleição norte-americana de 1992, entre George Bush Pai, Bill Clinton e Ross Perot. Concebeu um livro a partir da pergunta: “Um homem que trai a mulher, pode trair a pátria?”. Seu romance político, porém, acontece numa escola. Os editores se interessaram pelo tema e estilo, mas acharam que a obra era destinada ao público juvenil (young adult), porém tinha muita política e bastante sexo. Eleição foi para a gaveta. Quatro anos depois, ao se envolver com produtores de cinema, acabou mostrando aquele manuscrito para Alexander Payne, que adorou o livro e em pouco tempo fez um filme baseado nele. Só aí Eleição seria publicado e encontraria seu público. Um caso extraordinário de literatura sendo alavancada pelo cinema.

CRIANCINHAS

Com dois filhos pequenos, Perrotta era frequentador assíduo dos parquinhos. Intrigado, pensava o seguinte ao olhar aquela criançada se enfiando nos brinquedos: “A molecada só está aqui por causa do sexo. E aqui é o lugar com menos sexo do mundo”. Ele quis colocar o sexo no parquinho, por isso a história de um confuso casal adúltero que se conhece ao levar os filhos para brincar. O livro surgiu como sátira, mas logo a figura de um pedófilo interrompeu o fluxo humorístico de Perrotta. O escritor contou que lutou muito contra esse personagem, mas ele acabou se impondo na trama e deixando tudo mais sombrio.

O PEDÓFILO

Como escrever um personagem que você não quer? Como entrar na cabeça de um pedófilo? Na parte 2, em breve, Perrotta explica.

Um comentário em “Encontro com Tom Perrotta – parte 1

Adicione o seu

Deixe um comentário

Blog no WordPress.com.

Acima ↑