Na segunda e última parte da conversa com Tom Perrotta, ele fala sobre pedofilia, como funciona a writers’ room de The Leftovers e por que quis criar um livro sobre o apocalipse.
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PEDÓFILO
Ao escrever o livro Criancinhas, ele não planejava contar com um personagem pedófilo na trama. Porém, a figura surgiu e deixou a história mais sombria e conflituosa. Perrotta procurou de todas as maneiras matar aquele sujeito que teimava em mudar o tom do livro. Pior: o autor não queria entrar na mente do personagem nem entender as motivações dele. Um caso clássico de desprezo pela própria criação. O que ele fez? Para não julgar seu pedófilo, criou o papel da mãe. Assim, conseguiu colocar dois pontos de vista na trama: de um lado, os pais das crianças, que obviamente desconfiam e odeiam o pedófilo; do outro, a mãe do sujeito, com seu amor incondicional e sua capacidade de entender e perdoar. Perrotta conseguiu assim se eximir de qualquer responsabilidade, deixando que o leitor busque seu lado e enfoque (e também faça a intermediação entre as duas visões). Uma lição interessante sobre como driblar as dificuldades de formatar um personagem moralmente desagradável.
O ROTEIRO DE PECADOS ÍNTIMOS
Perrotta trabalhou junto com o diretor Todd Fields no roteiro do filme Pecados Íntimos. A primeira versão ficou bem próxima do livro e com quase três horas de duração. Então, passaram a cortar e editar o material. Nesse processo, descobriram que o longa foi perdendo o humor e se tornando um thriller. Perrotta conta que foi aí que descobriu uma diferença fundamental entre uma obra literária e um roteiro. Um livro pode ter diversos tons marcantes, mas um filme deve seguir pelo menos um único tom principal. Dessa maneira, você consegue ter mais controle sobre o material. Assim, Pecados Íntimos é muito mais sombrio do que Criancinhas. Já Eleição, o filme, é mais engraçado do que o livro. Ao escrever um roteiro, é preciso pensar qual é o tom geral da obra, para não se perder. Ah, e a série The Leftovers acabou com todo o humor das páginas impressas.
WRITERS’ ROOM
Quando decidiu participar da adaptação de The Leftovers para a TV, sabia que não poderia fazer o papel de defensor do livro. Ele resolveu “entrar na banda, mas tocando a segunda guitarra, lá no fundo”. O líder é Damon Lindelof, um sujeito “com opiniões muito fortes”, segundo Perrotta. A experiência da primeira temporada foi massacrante, mas ele está contente com o resultado. Para ele é uma alegria trabalhar seis meses e ver dez horas de material no ar (bem mais rápido do que escrever um roteiro de longa e esperar a produção do filme de “apenas” 120 minutos). Claro que às vezes ele acha que poderia fazer uns solos ou mesmo comandar o grupo, mas aparentemente fica quieto em seu canto e concorda com o set list.
APOCALIPSE
Duas coisas principais o motivaram a escrever The Leftovers. Primeiro, ele se interessou em criar um apocalipse que não tivesse três clichês: zumbis, tragédia nuclear e desastre ecológico. Segundo, gostaria de saber como é viver sem as pessoas que você ama e respeita. O que acontece quando todo mundo sofre uma perda? Como criar um novo mundo? Será que devemos nos lembrar do passado ou esquecer a tragédia? A trama adquire um lado mítico e primordial, pois de repente tanto a narrativa religiosa quanto a ciência não conseguem mais dar conta de explicar o mundo. Todos têm que voltar ao vácuo existencial. Bom, se isso não for motivo suficiente para você escrever alguma coisa… Ele se diz agnóstico.
ARREBATAMENTO
Se pudesse escolher as obras de três autores – um vivo, um morto e pelo menos uma mulher – para levar na hora em que você fosse arrebatado, quais colocaria na mala? Foi mais ou menos essa a pergunta final do mediador para Perrotta, que pediu Tolstói, Alice Munro e Flannery O’Connor.

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