Os roteiristas e a internet

 

the writer's life

No sexto dia, Deus criou o roteirista. No sétimo, inventou a internet, sites pornográficos e todas essas coisas que nos afastam do ofício de escrever.” É algo assim que Dan Harmon, o criador da série Community, diz numa cena do documentário Harmontown, uma divertida egotrip que mostra os bastidores de sua turnê de humor.

Dirigido por Neil Berkeley, o filme vale para dois tipos de público: fãs do trabalho de Harmon e roteiristas.

Apesar de se concentrar nas apresentações do show/podcast – uma espécie de stand-up com convidados, como o impagável Spencer Dungeon Master, e co-apresentado por Jeff Davis , há espaço para acompanharmos a trajetória de Harmon na TV e seu bloqueio criativo após ser demitido da própria série que criou.

Com três temporadas de relativo sucesso – ou sucesso absoluto se contarmos apenas o burburinho nas redes sociais -, Community foi para uma quarta leva sem seu showrunner original. Depois de muita pressão dos fãs e dos atores da série (em especial Joel McHale), Harmon foi readmitido para uma quinta – e mais curta – temporada, num caso único da TV.

Agora, a NBC cancelou de vez o título, que já foi comprado pelo portal Yahoo! e ganhará nova chance exclusivamente na internet.

No longa, há momentos reveladores de como a indústria lida com seus criadores.

Estamos acostumados ao bombardeio de premiações e glórias em relação aos roteiristas da nova era de ouro da TV norte-americana. Tratados como deuses do Olimpo, detentores do poder de vida e morte, parecem intocáveis guardiões da qualidade e do bom texto.

Porém, o que acontece com os mitos quando vão pra casa? Ou o que tiveram que enfrentar para alcançar as nuvens? Pior: o que falam pra eles quando fracassam e viram mortais?

De forma breve, mas contundente, observamos essas três respostas na vida de Harmon. Assim, vemos o quanto o sujeito bebe e se demonstra um tanto escroto com amigos e a namorada, colocando sempre a escrita em primeiro plano; ficamos curiosos para espiar o mítico piloto de Heat Vision and Jack, projeto recusado, mesmo com Ben Stiller e Jack Black encabeçando a história; e nos compadecemos de sua situação quando recebe o feedback (constrangedor) dos executivos da NBC depois que leram um roteiro dele (momento, aliás, que poderia ser jogado na íntegra na rede).

Além disso, é sempre interessante observar a reação de um artista quando encontra seus fãs. Harmontown apresenta um desfile de nerds, hipsters e seres aparentemente deslocados (e descolados) que encontraram nos textos de Harmon um divertido alento. São pessoas tão diferentes que se parecem muito com a gente (em algum momento nos sentimos sozinho no porão de casa, não? Mesmo se a gente não tiver um porão).

harmontown

E aqui já podemos voltar para o primeiro parágrafo deste artigo. A piada com a internet é ainda mais reveladora quanto sabemos que Community só sobrevive justamente por causa da base de fãs na rede. Talvez Dan Harmon só exista, de fato, graças aos inovadores que um dia pensaram nesse troço cabeludo capaz de unir e desunir com a mesma intensidade.

Cavando um pouco mais, percebemos que a transformação de showrunners e roteiristas de TV em estrelas midiáticas e monstros sagrados da dramaturgia foi catalisada pela internet.

Com o gigantesco aumento de comentários, visualizações e grupos de fanáticos, as séries passaram a ser produtos globais fundamentais do nosso cotidiano. A internet nos colocou em contato com aquele fã de Don Draper que vive em Cingapura e com o seu distante primo russo de São Petersburgo tarado pelo chapéu do Heisenberg.

De repente – nunca é, mas vamos deixar assim para efeito de estilo -, percebemos ser impossível viver sem as histórias criadas por Matthew Weiner, Vince Gilligan, Damon Lindelof (Lost tem um papel capital nisso tudo) e Shonda Rhimes.

E agora aproveito o gancho e pulo para este último nome. Criadora de Grey’s Anatomy, Scandal e How to Get Away With Murder, ela representa um novo passo para os roteiristas do mundo (sim, uni-vos!).

Esta reportagem de capa da Hollywood Reporter demonstra como é possível um escritor de TV usar o seu nome – e suas ideias – para criar um império e até mesmo dobrar os executivos de uma emissora aberta nos EUA.

Imaginem a Glória Perez tomando conta da novela das nove, do Jornal Nacional e do Domingão do Faustão. É mais ou menos por aí que Shonda Rhimes atua.

A matéria também revela os bastidores da sua subida, o mercado de roteiros dos EUA e a importância de se comunicar diretamente com o seu público (principalmente via internet, claro). Além disso, relata a atual polêmica envolvendo o nome de Rhimes (por causa de uma coluna do NY Times) e traça todo um painel sobre a questão de gênero e raça nas mesas de roteiristas.

Quantas mulheres negras escrevem ou comandam séries, novelas ou produtos de teledramaturgia no Brasil?

Droga, acabo de pescar um novo assunto e ainda nem aproveitei esse lance da internet para dizer que a Amazon lançou exclusivamente na rede a melhor série do ano: Transparent, de Jill Saloway.

Eu sei que já tratei aqui de uns três títulos diferentes como “os melhores do ano”, mas Transparent entra na categoria “melhor série que eu gostaria de ter escrito”.

Anotem tudo isso porque serão os próximos assuntos.

Agora preciso dar uma olhada aqui na outra janela.

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