Uma modesta proposta para as comédias nacionais

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Algo está errado com a comédia brasileira quando um filme como O Candidato Honesto não é mais engraçado do que um evento político de apoio ao Aécio Neves. Há mais personagens humorísticos e falas hilárias – além de surrealismo e histórias reveladoras – no vídeo abaixo do que nos cinco longas cômicos que atingiram a marca de um milhão de espectadores em 2014.

Segundo relatório da Ancine, no primeiro semestre quatro títulos ultrapassaram o número mágico (um milhão de ingressos): Até que a Sorte nos Separe 2, S.O.S. Mulheres ao Mar, Os Homens São de Marte… E É pra lá que Eu Vou e Muita Calma Nessa Hora 2. Nos últimos dias, O Candidato Honesto se juntou ao grupo.

Há inúmeras leituras sobre esses desempenhos. Temos duas continuações, dois filmes de apelo feminino e um capaz de surfar nas eleições; quatro deles têm a mesma distribuidora (Downtown/Paris); dois com o mesmo ator como protagonista (Leandro Hassum); e todos “cagam baldes” (para usar um pouco da vulgaridade dessas obras) para as imagens.

Não há cinema nas atuais comédias brasileiras de sucesso.

Pego O Candidato Honesto, de Roberto Santucci, como pior exemplo e bode expiatório. Apesar do começo promissor e bem cuidado (e só me refiro ao início com as sequências da propaganda política), o longa é de um desleixo (que luz é aquela?) e de uma incompetência narrativa realmente impecáveis.

Além de ser extremanente constrangedor acompanhar uma cópia atrasadíssima de O Mentiroso, o roteiro de Paulo Cursino força o público a ver uma patética lição (séria!) sobre a importância do voto e das eleições. De fato, insuperável.

Um alívio é descobrir que a platéia (pelo menos nesses comentários no site Omelete) parece ser mais esperta que o filme – e, neste caso, do que a própria crítica.

Pensando em como colocar um pouco de diversidade nessa lista e oferecer mais opções engraçadas e sutis ao sofrido público brasileiro, ofereço uma modesta proposta para o/a próximo/a ministro/a da Cultura (aqui posso fazer um pequeno proselitismo eleitoral: espero que seja num novo governo Dilma).

A partir do ano da graça de 2015, comédias brasileiras só serão aprovadas em leis de incentivo se contemplarem os seguintes itens:

Diretores e roteiristas envolvidos no projeto terão que passar pela Escola Lubitsch/Wilder de Reciclagem Cômica. É um curso de cem horas em que os participantes assistirão trechos selecionados (alguns, várias vezes) das obras de Ernst Lubitsch e Billy Wilder.

Todos os responsáveis pela parte criativa terão que ler Conversations With Wilder, de Cameron Crowe. Haverá uma prova com cem questões sobre a obra.

O roteiro pode conter no máximo CINCO piadas que envolvam menção a homossexuais, minorias e cor de pele.

Pensando bem, limite de UMA piada por filme que envolva os temas abordados no parágrafo anterior.

O projeto que usar a menor quantidade possível de palavras chulas será contemplado com um bônus (a ser definido). Encaixes cômicos de palavrões e vulgaridades com contexto são permitidos seguindo exemplos de filmes norte-americanos (lista será divulgada).

Evitar o uso de atores da escola Fábio Porchat, que acreditam que falarrapidinhoemendandoumapalavranaoutrajáéengraçadoosuficiente.

Preferencialmente, apresentar roteiros e situações de fato engraçadas.

Evitar cópia de um estilo (exemplo: “bromances do Judd Apatow”) ou filme só porque a produção “quer se alinhar com o que de melhor a comédia tem oferecido ao mundo”.

Nunca citar Lubitsch/Wilder ou os grandes gênios da comédia em vão (exemplo: não permitir a frase “Leandro Hassum lembra Jerry Lewis”).

Buscar a sutileza acima de todas as coisas.

Claro, as regras valem apenas para quem pleitear grana do governo (não é censura, apenas uma ideia para diversificar nosso produto cultural).

Quem não estiver de acordo, pode usar dinheiro “bom” (privado) da Globo ou das distribuidoras para continuar o conceito dos atuais longas cômicos. Pelo sucesso de público, com certeza já sabemos que esse tipo de projeto faz dinheiro e é autossustentável.

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