“A primeira coisa de que vocês precisam se lembrar […] é que um editor não acrescenta coisa alguma a um livro. Na melhor das hipóteses, ele serve a um autor como um criado. Jamais se sintam importantes, pois um editor, no máximo, libera energia. Não cria nada.”
“A melhor obra de um escritor deriva integralmente dele mesmo. […] O processo é muito simples. Se você tem um Mark Twain, não tente transformá-lo em Shakespeare nem transformar um Shakespeare em Mark Twain. Porque, no final, um editor só consegue extrair de um autor o que o autor tem em si mesmo.”
Essas são algumas das frases ditas pelo editor Max Perkins numa palestra para alunos de um curso de extensão sobre edição de livros da Universidade de Nova York numa tarde chuvosa de março de 1946.
A cena abre o excelente Max Perkins – Um Editor de Gênios, escrito por A. Scott Berg, lançado em 1978 e agora com edição brasileira pela Intrínseca (tradução de Regina Lyra).
Não seria exagero mencionar que se Max Perkins não tivesse existido, provavelmente a literatura mundial perderia os melhores trabalhos de F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e Thomas Wolfe (pra gente ficar apenas nos medalhões).
A figura do editor é tão fascinante quanto patética (meio o que acontece com todas as profissões). Tanto ele pode ser o discreto gênio das sombras que alimenta suas criaturas, quanto o escritor frustrado que passa os dias injetando inveja no trabalho alheio.
Eu sempre gostei de ser editado. Na verdade, faço questão de encontrar um interlocutor capaz de entender as duas primeiras frases deste artigo para cada um dos meus trabalhos (e quando não aparece ninguém, sobra pra minha mulher, uma das melhores editoras que já encontrei, mas que já tem muita coisa para cuidar além dos meus chiliques textuais).
Muitas vezes, o prazer de discutir os pormenores de um texto ou roteiro é tão intenso – ou mais – quanto o ato da escrita.
Por isso, a dica mais preciosa e incontestável de todos os manuais de roteiro é: leia seu texto em voz alta para outras pessoas e procure saber a opinião delas. Pode ser a sua mãe, amigo, profissional respeitado, conhecido, o garçom, qualquer um que inspire confiança e admiração. Você não precisa amar esses palpiteiros, mas tem que se importar com o que eles acham sobre o mundo, as artes e, claro, o seu trabalho.
Eu acabei de passar por uma consultoria de quatro dias e encontrei alguns Max Perkins (infelizmente, não me tornei nenhum Hemingway, mas os editores não são mágicos). E novamente me deparei com a importância de discussões acaloradas sobre um roteiro.
O que me faz pensar que já passamos da frase “não existem bons roteiristas no Brasil” para encarar a era do “faltam bons cursos e debates profundos sobre a escrita de roteiros no Brasil”.
Depois de discutir intensamente o roteiro de um longa nesse espetacular Laboratório Novas Histórias – Programa Sesc/Senac de Desenvolvimento de Roteiros, penso que temos – eu e meu parceiro Leonardo Cortez – um texto melhor e mais afinado com as nossas pretensões.
Para quem não conhece o esquema, a coisa funciona assim: você inscreve o roteiro do seu longa, é selecionado, passa por cinco consultorias individuais (três delas com estrangeiros, no nosso caso), come feito um boi na engorda, participa de debates e, nas raras horas vagas, reclama da quantidade de trabalho enquanto relaxa na sauna ou toma caipirinha à beira de uma piscina surreal – e aquecida.
Sim, você deve sempre tentar colocar seu filme nesse “congresso” (o projeto acontece uma vez por ano).
Eu gostaria de ser vitalício nessa história, mas infelizmente ninguém aceitou minha propina (e prometi tudo o que tenho; ok, é pouco). Portanto, no próximo ano estaremos todos juntos novamente disputando uma vaga.
Entre as muitas lições aprendidas, fico com a lembrança de conviver com consultores da linhagem de Max Perkins, interessados em liberar a nossa energia e transformar o roteiro numa ferramenta capaz de transmitir com precisão as nossas ideias e pensamentos. A frase parece confusa porque não tenho editor aqui no blog, mas tenho certeza que vocês captaram a essência (ou pelo menos sacaram aquela parte da piscina, então já estão pensando em concorrer).
Para tentar resumir a figura de um editor, penso sempre num sujeito com a cara do Buda (ou do mestre Yoda, depende a quantidade de uísque que tomei). A pessoa tem que ter paciência para explicar para o discípulo que a vida é desapego. A sabedoria está em construir e destruir universos num trabalho de Sísifo. Mas em algum momento, o Buda/Yoda pedirá pra você parar, olhar em volta e reparar numa pequena jóia brilhando no meio dos escombros e da luta.
O editor é aquele que pede pra você buscar o tesouro enterrado. Todo o resto é por sua conta.

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