“Leia roteiros, centenas deles, de todos os tipos, bons e ruins.”
De todos os conselhos que roteiristas experientes oferecem, esse da frase acima é o melhor e talvez o menos praticado. Realmente cumprir a regra de ler um roteiro por semana (52 por ano!) se revela uma tarefa chatinha e monótona. O melhor roteiro do mundo não traz tantas coisas agradáveis quanto qualquer romance picareta.
Porém, quando você pega gosto pela coisa, o vício se impõe.
Como a escrita de roteiros tem suas regras, padrões etc., tudo parece meio igual no formato, por isso recomendo ler roteiros de filmes que você já viu. Aí o aprendizado técnico é formidável, pois você passa a comparar o papel com a tela. O estilo de cada autor e a elegância da escrita são bônus, pois o que importa mesmo é sacar a construção da trama, personagens e cenas.
Eu sempre imprimo os textos, pois assim consigo visualizar melhor o tamanho físico das sequências e a arquitetura de cada peça. A tela do computador muitas vezes não reflete com precisão o formato do filme (mas isso é uma teoria embrionária que ainda preciso escrever).
Quem gosta desse meu método é a Kalunga e a turma que recicla papel. Mas há outra boa maneira de ler roteiros, não se entediar, captar a essência de tudo, perceber o estilo do autor e ainda economizar uma grana: veja apenas um terço de cada um.
Tenho feito bastante isso e acho que dá resultados. Sempre escolho um dos meus favoritos para ler tudo, mas não deixo de passar o olho num terço dos outros.
Na última semana, li todo O Abutre, de Dan Gilroy, mas também as primeiras 30 páginas de Wild, para entender a dinâmica dos flashbacks de Nick Hornby, o início de Gone Girl, para captar a esperteza dos diálogos de Gillian Flynn, e as páginas finais de Foxcatcher.
Assim você faz sua própria curadoria e não fica patinando em páginas que pouco acrescentam pois já viu o filme.
Agora, imperdível e essencial mesmo é a série The Toughest Scene I Wrote do site Vulture.
Todo ano eles publicam entrevistas com os principais roteiristas dos destaques da temporada e trechos dos roteiros discutidos.
Impossível pensar em melhores aulas. Nas conversas deste ano, a gente entende como Damien Chazelle concentrou esforços em abrir seu filme com uma cena que representasse todo o Whiplash e de que maneira Scott Neustadter e Michael H. Weber ergueram A Culpa É das Estrelas em uma semana. Além disso, vale muito ler as reflexões de diversos filmes menos bombados por aqui, como Obvious Child e The Skeleton Twins (ambos belíssimos longas).
E pra animar um pouco, abaixo o início do roteiro de O Abutre (você encontra muitos dos sucesso de 2014 aqui). Observe a cadência de um romance noir e o impacto das imagens, enquanto a formatação tradicional é jogada para os cães.
*
INFINITY OF STARS over barren ground … if not for a BILLBOARD reading
Lose Weight With The Lapband 1-800-GET-THIN
it could be the moon …
CAMERA pushing over a rim to show
LOS ANGELES
shimmering in night heat … THRUM of civilization … a FREEWAY feeds into the city as a SEMI blasts by and CUT TO
A COYOTE
loping across a RESIDENTIAL STREET in the hills … it stops under a street lamp … darting away and CUT TO
THE L.A. RIVER
flows darkly before us … CAMERA rising above a FLOOD CHANNEL to a fenced industrial area where
LOUIS “LOU” BLOOM
is a silhouette against the city glow… using bolt cutters to rip down a square of chain-link fence…

Deixe um comentário