ALEGRIA
Segunda à tarde. Uma segunda-feira de verdade, dia útil, e você está dentro de uma sala de cinema pronto pra assistir ao mais novo filme da Pixar, Divertida Mente. Ao contrário do que você pensava, a sessão está até disputada. Uns 40 adultos comem pipoca e conversam baixinho. As luzes se apagam. A tela é iluminada. Mesmo depois de décadas vivendo isso, você ainda se emociona. Pensa que aquilo é bonito.
Depois dos comerciais super chatos de um banco, o tradicional curta que antecede os longas da companhia sediada na Califórnia brilha na sua frente. Lava traz a história de um fogoso vulcão que canta. Solitário, ele implora por companhia. Apesar de não ser pego pela música logo de saída, aos poucos percebe que nunca mais vai esquecer aqueles acordes. Fim do curta e você pensa naquela antiga lei que obrigava os cinemas brasileiros a exibirem os filminhos antes da sessão principal. Você está ficando velho.
Divertida Mente começa. O prólogo te joga dentro do cérebro de Riley, um bebê. Lá dentro, conhecemos as cinco emoções que vão comandar o roteiro da vida da criança: Alegria (Amy Poehler), Tristeza (Phyllis Smith), Raiva (Lewis Black), Medo (Bill Hader) e Nojinho (Mind Kaling). Quem lidera mesmo a brincadeira é a Alegria. Você estranha os traços esquisitos de cada sentimento, aquela fria sala de controle e fica imaginando pra onde o diretor Pete Docter e o co-diretor Ronaldo Del Carmen vão te levar. Você conclui que definitivamente aquilo ali não é para crianças. Eles estão tentando dar formas humanas para os neurônios? Explicar a neurociência? Então, Deus é mulher? Ei, não existe Deus, pois quem comanda tudo é uma garotinha espevitada…
Logo o filme começa de verdade. A protagonista atinge os onze anos e se muda para San Francisco. A Alegria, que até então não tinha encontrado dificuldades no seu trabalho, começa a dividir o poder do cérebro com os outro quatro companheiros. Riley ganha em complexidade. A vida apresenta seus primeiros desafios. A garota passa a ter dúvidas. Você, em compensação, entregou toda a sua cachola pra sua própria Alegria (sim, segundo o filme, todos nós temos essas figurinhas dentro da cabeça). Seu sonho sempre foi escrever alguma coisa assim, divertida e esperta.
A história começa a ficar complicada, Alegria e Tristeza saem da sala de comando e você já nem lembra mais seu próprio nome, tão entretido e feliz que está com essa aventura. Não está nem no meio do longa e já sabe que é Top Five Pixar (os outros: Wall-E, Up, Procurando Nemo, Trilogia Toy Story e Monstros S.A. – você faz um revezamento e de vez em quando deixa um dos seis fora; ah, claro, faz o truque de juntar três Toy Story num só). Percebe que a sala de comando é uma referência ao Brainstrust, o conselho de notáveis da Pixar que supervisiona todos os trabalhos da companhia. Poderia existir uma tarde melhor?
NOJINHO
Apesar das protagonistas femininas, você se lembra que a Pixar é comandada por homens, só homens. John Lasseter, o gênio por trás de tudo, criou um verdadeiro Clube do Bolinha. Eles não perdem a chance de dizer que são abençoados por terem ótimas esposas. Isso soa um pouco esquisito hoje, não? Será que nenhuma mulher é boa o suficiente para entrar no cérebro dessa empresa? É o seu momento nojinho. Algum defeito precisa encontrar naquela história tão perfeitinha. Afinal, Divertida Mente é nada menos do que o making of da construção de um roteiro. Quando colocar uma cena de aventura? Em que momento alguém deve ficar pra trás? Como manipular os sentimentos da plateia? Lá estão eles, nos jogando de lá pra cá, com precisão absoluta.
RAIVA
Você começa a ficar furioso porque roubaram a sua ideia da fábrica de sonhos. Você sempre pensou em fazer um filme que mostrasse que os sonhos são filmes produzidos por pequenos seres que moram na nossa cabeça. Pior: entra num terrível processo de negação. Quem Pete Docter acha que é pra fazer filmes como Up e Monstros S.A.? Que mundo injusto é esse em que meia dúzia de escolhidos recebem o dom da escrita? Por que não você? Falam que com bastante trabalho e vontade todo mundo chega lá. Sei, sei.
Você quer sumir de tanta raiva. Você é péssimo, cara. Nunca vai conseguir escrever nada parecido com aquilo, nunca. Você sempre achou que seria inteligente o suficiente para colocar um monte de gente numa sala de cinema. Mas nada disso. Você precisaria ser muito mais do que é pra chegar lá. A Pixar é o Everest. Você é somente um alpinista sem uma das mãos e com artrite. Apesar que nunca te deram uma oportunidade de verdade. Ou já? E você não aproveitou? Burro. Que raiva.
MEDO
Você se acalma. Divertida Mente começa a ficar assustador. Os personagens de fato correm perigo. Há um mergulho nas profundezas da mente. Talvez não seja mesmo um filme pra crianças nem pra você. Eles insistem em tocar nos momentos desagradáveis da sua vida. Por quê? Você pensa nos seus próprios medos. Quais são os palhaços gigantes que se escondem no seu subconsciente? Eles despertam um pouco e te incomodam. Ainda hoje. Fazem tudo isso em uma hora e pouco? Mesmo? Talvez você volte pra terapia logo mais. E se nunca conseguir escrever um roteiro bom? E se falhar redondamente? E se desistir de tudo? Viver é perigoso.
TRISTEZA
O lema da Pixar é: uma risada, uma lágrima. Para quem chorou em Up logo aos cinco minutos de projeção (para muitos, o início mais perfeito da história da animação), você está se segurando bem. Mesmo numa das mortes (sem spoiler), você fingiu que não se emocionou. Mas aí… Desgraçados. No roteiro perfeito de Divertida Mente, as lágrimas surgem fartas, plenas, magníficas no final da sessão. Para você nunca mais se esquecer daquele universo. Você chora. Não apenas por ter se envolvido com as personagens, mas por se lembrar da infância, da nostalgia de uma vida perdida. Você chora pela beleza da uma história bem contada. Você chora de alegria porque está vendo um filme.
