Os amigos dos roteiristas

Steven-Spielberg-and-John-Williams

Nas últimas semanas, nada tem me impressionado mais do que assistir cenas com e sem trilha sonora de uma série de TV que estou escrevendo. Começo a achar que um roteirista tem dois melhores amigos: o montador e o autor da trilha (assim como o diretor tem que ser brother do diretor de fotografia).

É razoavelmente fácil encontrar roteiristas que entendam (até muito bem) de direção, ângulos, atuação e montagem. Quando escrevo, arrisco um pouco na hora de explicar como imagino visualmente tal sequência. De certa maneira, atuo discretamente na área da direção, forçando um tantinho como aquela história será mostrada, indicando movimentos e sugerindo planos.

Na hora de criar os diálogos, as rubricas e o tom afloram meu lado Actors Studio e de forma cordial acredito bancar a Fátima Toledo. Peço uma emoção mais contida aqui, aquele choro raivoso acolá e assim tento conduzir os atores para um lugar mais próximo da minha imaginação.

Ao estruturar um roteiro, colocando uma cena antes da outra, começando as sequências em determinado momento e saindo delas quando acho necessário, já esboço um pequeno trabalho de montagem (a única “arte” verdadeiramente inventada pelo cinema).

Portanto, no meu ofício como roteirista, posso dizer que não apenas conto a história, mas sugiro diversas maneiras e caminhos para que essa história seja contada.

Só que um roteiro não vem com a partitura da trilha sonora colada em cada uma das cenas. Não digo aquelas sugestões maravilhosas de música pop que o Tarantino coloca em seus textos; nem dicas e ideias que temos e de vez em quando salpicamos nas sequências.

Um roteiro não vem com a música, aquela caminha gostosa capaz de deixar tudo maior, melhor e menos chato. Um roteiro não vem com som.

Às vezes dou algumas aulas sobre a escrita de roteiros e sempre mostro trechos de obras sem som, pra todos concentrarem a atenção nas imagens e depois compararem com o texto que foi rodado. Mas não é disso que estou falando.

Todo roteirista tem que ter a oportunidade de ver uma obra crua (só diálogos e alguma música que ajuda na hora da montagem) e depois com a trilha completa, mixada, com o áudio limpinho, as frases que você pensou saindo claras e fortes, aquele trovão assustador de fato invadindo seus tímpanos e te fazendo borrar as calças, os acordes luminosos dando o pontapé final na emoção.

Quanta diferença. Quando a trilha é bem feita, tudo parece fazer sentido. Muitas vezes uma cena expositiva que você achava um saco se transforma numa pequena e graciosa jóia.

Recentemente, a Folha de S.Paulo publicou ótima entrevista do repórter Rodrigo Salem com Woody Allen. Em determinado momento, o cineasta norte-americano reafirma seu amor pela música nos filmes. “A parte mais prazerosa de filmar é colocar a música na trilha. Quando você termina um longa, ele está frio e sem vida, então vou para minha coleção e escolho uns discos de, por exemplo, Mozart ou Louis Armstrong, e começo a testar. De repente, coloco Ramsey Lewis e o filme ganha vida. Não tem nada a ver com ser inteligente, mas com erros e acertos”, diz.

Esse prazer do realizador certamente se reflete em nós, espectadores.

Revi há poucos dias E.T. – O Extraterrestre (1982), nos cinemas, graças a essa ótima ideia do Cinemark de reexibir filmes de sucesso das últimas décadas. Duas coisas me chamaram a atenção. A primeira: como o filme é “menor” do que eu me lembrava. Ele se passa quase inteiramente dentro de uma casa e num bosque. Mesmo assim há algumas das imagens mais emblemáticas da história do cinema (quantos socos e destruição dos atuais super-heróis irão permanecer no nosso imaginário?). Convenhamos, tirando o genial prólogo (em dez minutos o ET chega, se perde, é perseguido e encontra sua alma gêmea), não acontece muita coisa no filme – ainda bem, tudo é construção de amizade e a busca pela passagem de volta.

A segunda: como a trilha de John Williams é estupenda e serve ao filme. Sim, toda pessoa de bom senso (hoje, não são muitas) sabe disso. Mas escutar o longa numa sala de cinema, com as condições ideias e aplausos no final, é outra coisa. A trilha leva E.T. para as alturas tanto quanto a bicicleta de Elliott ou as sacadas visuais do genial Steven Spielberg.

A desgraça de escrever solitariamente um roteiro é que você nunca sabe se vai acabar nas mãos de um montador honesto e de um ótimo músico/trilheiro. Se tivéssemos essas garantias, a vida seria bem mais maravilhosa.

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