“O Nic nos ferrou!”

nic pi

Eu sabia que isso ia acontecer. Lembram do Josué, o roteirista feliz? Pois é. Iludido com as notícias que saem na imprensa, ele estava achando que os autores de séries de TV eram de fato deuses, seres imortais e perfeitos. Pela qualidade de alguns produtos vindos dos EUA, Josué acreditava que os roteiristas finalmente tinham chegado ao poder e seriam uma espécie de ditadores do bem, mandando e desmandando segundo suas próprias e belas regras. Essa utopia até funciona em alguns casos lá fora. Mas ele acreditava que também no Brasil logo os chefões seriam os roteiristas.

Pois ontem encontrei Josué casualmente numa esquina da rua Augusta bebendo Skol litrão e murmurando algo como “O Nic nos ferrou”. Eu afundei meu chapéu e passei batido, fingindo que não conhecia o coitado. Mas então voltei e resolvi encarar o miserável. Tivemos um diálogo mais ou menos como o que segue abaixo.

EU: “Posso pelo menos te pagar uma Stella?”

ELE: “Amigão… Não, eu não mereço. Morrerei sufocado pela água ruim da Skol litrão. É isso que me resta. É o que eu mereço. Viu o Nic? Tudo culpa dele. O Nic nos ferrou.”

EU: “Nic? Ah, sei. O Nic… Tem alguma ligação com o Levy?”

ELE: “O Nic Pizzolatto!”

EU: “O nome parece de investigado na Lava Jato, mas você está falando do roteirista e escritor, autor das duas temporadas de True Detective, né?”

ELE: “O próprio. Viu a bela merda que ele fez? A segunda temporada de True Detective, amigão… É uma tremenda bobagem. Um erro. Um treco horrível.”

EU: “Não exagera. Eu gostei daquelas tomadas aéreas.”

ELE: “Bosta. Tudo fake, uns diálogos frouxos, um mimimi desgraçado, uma imitação porca de David Lynch, enfim… Lixo.”

EU: “Eu vi só os três primeiros episódios. Não achei bom também, mas sei lá. Vale a pena se afundar numa fossa dessas, regada com Skol litrão, por causa de uma série ruim?”

ELE: “Acontece que o Nic… Porra, o Nic, cara. O Nic nos ferrou.”

EU: “Tá, mas não tô entendendo nada. E essa intimidade toda com o sujeito? Nic?”

ELE: “O Nic… Ele é um autor. Ele era a nossa redenção, a prova de que um roteirista sozinho poderia mudar tudo, controlar tudo. O sucesso do Nic seria o sucesso de todos os roteiristas do mundo. Se o Nic acertasse de novo, a gente poderia pegar nossos projetos e jogar na cara dos caretas. A gente poderia dizer pro mundo: ‘Confia, brother, confia que a gente sabe o que faz’. Só um roteirista pode ter a palavra final numa série de TV, num filme. Quem conhece o produto como o autor? Você leu o perfil dele na Vanity Fair?”

EU: “Ave Maria, não estou entendendo nada. O maluco só fez uma série ruim e que foi malhada por todos. Só isso. Não vai interferir no universo. E olha só, o David Simon, esse sim um gênio de verdade, já está com série nova e detonando.”

ELE: “Mas o David Simon está dividindo o crédito com o Paul Haggis e um monte de gente. É uma história real. Eu estou falando sobre o sucesso do Nic, de um cara que controla tudo, que é autor, assim como o Joyce é autor de Ulysses, entendeu? Leu ou não leu o perfil na Vanity Fair?”

EU: “Que fixação louca com isso. Não. Vou ler. Meu, acho que você está apaixonado pelo Nic.”

ELE: “Você não entende nada. Vai ler o perfil. Se o Nic tivesse acertado… Se aparecessem mais meia dúzia de Nics que acertassem, a gente estaria feito, entendeu? Você sabe que a ciência não seria nada sem o Einstein. Sabe por quê?”

EU: “Por causa das teorias e…”

ELE: “Não! Por causa da cara dele. Por causa do cabelo maluco e da língua de fora. Einstein deu uma cara para a ciência no século 20. Uma cara divertida, ainda por cima. Por causa daquela cara, as pessoas acreditam que os cientistas são uns doidos legais, uns pirados que poderiam sair com a Marilyn Monroe.”

EU: “Não bebe Skol, é sério. Você tá mal.”

ELE: “O Nic… O Nic deu um rosto para os roteiristas. Autor de livros, professor, charmoso, controlador e genial. O sucesso da primeira temporada de True Detective mostrou pro mundo que um roteirista pode ser dono de tudo, mandar em tudo. E quem vai reclamar? Ninguém, porque o treco foi um estouro. Mas agora… Ontem fui numa produtora e o dono da bagaça me cuspiu na cara, falando que roteiristas quando querem mandar em tudo, viram um Nic Pizzolatto e acabam com o produto. Entendeu?”

EU: “Não. Quer dizer, mais ou menos.”

ELE: “Você é burro. O fracasso do Nic é um retrocesso pra gente. A gente erra, amigão. Se o Nic erra, imagine a gente?”

EU: “Einstein também escreveu umas besteiras e nem por isso…”

ELE: “Cala a boca. Não enche. Somos todos humanos e podemos errar, amigão. O Nic nos ferrou.”

E então fui embora. Ao chegar em casa li o ótimo texto da Vanity Fair e creio que entendi algumas coisas que o Josué disse.

Bom, o importante é que David Simon está aí.

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