Um dia perguntaram para o roteirista, diretor de cinema e colecionador de arte Billy Wilder se era necessário saber escrever roteiro para dirigir um filme. A resposta foi mais ou menos essa: “Não. Se o diretor sabe ler, já está bom demais”.
A provocação entrou para o panteão de frases espertas – e não foram poucas – do mestre. Hoje é um mantra de todos nós, roteiristas que só querem encontrar no mercado boas almas capazes de lerem com atenção um texto e depois oferecerem opiniões e notas minimamente consistentes.
Depois de recolher opiniões das pessoas próximas, como o cachorro, gerente do banco e caixa do Pão de Açúcar, um roteiro finalmente vai parar nas mãos de “especialistas”. Aí sim o roteirista acredita que será compreendido em sua plenitude. Saem os tapinhas nas costas e bajulação da amada querida; caem fora os grunhidos maldosos do companheiro invejoso. Só deveriam sobrar os suspiros e a contundência do produtor ou diretor que amavelmente aceitaram olhar o seu projeto.
Mas logo você descobre que a tia Hermina de Sorocaba sacou mais da história que o executivo; pior, os comentários sarcásticos do concorrente ganham sentido diante da total ignorância dos novos leitores da indústria.
Ler roteiros exige preparo, sensibilidade e capacidade técnica. Dar notas sobre esse mesmo roteiro é um trabalho árduo e insano. Muitas vezes esse diálogo define se o filme será bom ou medíocre.
Você vai encontrar por aí desde autores que sentem verdadeira paúra de ler notas da produção como também o Tarantino, que tem a sorte de contar com executivos espertos lambendo o trabalho dele.
Resumindo: em vários casos, o Billy Wilder está certo.
Fazendo justiça. Muitas vezes o roteirista está errado, porque ele simplesmente não sabe escrever. Já encontrei produtores e diretores que mereciam um texto melhor do que estavam lendo. Elaborar um roteiro também exige preparo, sensibilidade e capacidade técnica. Mas o ponto aqui é outro.
Pois então. Descubro que na mais recente Story Expo realizada em Los Angeles, os roteiristas puderam conferir uma nova ferramenta de “leitura de roteiros”: o Scriptonomics (aqui um relato completo).
O site promete analisar rapidamente as páginas do seu texto e carimbar o quanto o seu projeto é vendável. O algoritmo do site usa um banco de dados para comparar os momentos que você escreveu com milhares de roteiros escritos nas últimas décadas.
O treco me parece tão maluco que nem consegui formular a primeira das 777 questões que me ocorreram quando li a notícia.
Primeira reação: “Mas uma inteligência artificial não consegue captar as sutilezas do projeto nem avaliar se alguma coisa pode ser incrivelmente desafiadora e interessante. É aquela história do homem versus máquina. O que esperar de uma arte que só pode vender coisas já catalogadas num banco de dados? Há espaço para o novo e a ousadia? O homem só é homem porque consegue surpreender nos movimentos e isso o fez ganhar umas partidas de xadrez contra um computador infinitamente mais rápido que…”. Parei de pensar porque isso tudo está no sensacional livro O Humano Mais Humano (Companhia das Letras), de Brian Christian.
Nitidamente o site foi inventado para executivos que podem “adquirir uma opinião” sem ter lido o material. Enfim, o negócio não tem pé nem cabeça e só serve para perpetuar no mercado profissionais… vagabundos?
Segunda reação: “Não existe um roteirista que não tenha criticado um produtor ou diretor que leu o trabalho dele. A frase do Billy Wilder ecoa a cada linha de nossos textos. E se realmente parte dessa turma não sabe ler um roteiro? Será que não seria melhor colocar um robô no lugar deles e pronto? Epa. E se o robô tiver as ferramentas necessárias para avaliar meu material – ou pelo menos fornecer notas técnicas que posso levar em conta? Já que os executivos parecem não conseguir ler, será que os computadores…”.
Parei de novo e pensei no Mundo Livre. Talvez os computadores possam fazer arte. Vai saber.
Esse admirável mundo novo tem me parecido bem estranho.

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