“O Inferno de Chatô”

No documentário “O Inferno de Henri-Georges Clouzot”, de Serge Bromberg e Ruxandra Medrea, acompanhamos os infortúnios do cineasta francês Henri-Georges Clouzot (“O Salário do Medo”, filmão) para terminar sua obra mais pretensiosa, cara e insalubre (justamente com o título provisório de “Inferno”).

Depois de anos de preparação, horas de material rodado e até mesmo a deserção do ator principal, o diretor tem um ataque cardíaco em pleno set e dá um fim na sua saga em torno de algo que jamais seria visto nas telas.

Bromberg e Medrea recuperaram 13 horas de cenas, entrevistaram os envolvidos na produção e contam um pouco sobre os dramas de quem se arrisca a transformar idéias em imagens.

Clouzot tava caprichando. Atacado pela rapaziada da nouvelle vague (que achava o francês um artesão de segunda), ele queria mostrar que também era um Artista. Até porque sua casa era freqüentada pelos bambas da época, como Picasso, Simone Signoret, Yves Montand e toda uma intelligentsia européia.

Ele tinha conseguido prestígio, fama e grana com seus sucessos populares.

Eis que resolveu contar a história de um problemático dono de hotel que morre de ciúmes de sua sapeca esposa.

Seria uma coisinha simpática e bonita ou até mesmo um treco psicológico e pequeno… Isso se Clouzot não estivesse disposto a fazer experiências imagéticas inéditas e complicadas.

Assim, toda vez que entramos na cabeça do maridão ciumento, vemos o mundo pelos seus olhos: há uma distorção; o que era PB vira um estonteante calidoscópio de cores; a meninada fica sem roupa; o erotismo corre solto; surgem sequências dignas de David Lynch com expressionismo alemão e um toque de vanguarda das artes plásticas.

Danou-se. Rios de dinheiro e um perfeccionismo maluco levaram o filme para o buraco.

Ao ver o documentário, realmente parece que os pedaços seriam melhor que o todo.

Há um delicioso deslumbramento pela imagem, pela experiência com a forma.

“O Inferno de HGC” é um belo estudo sobre a construção de uma obra, sobre sonhos, desejos e fixações.

E tem Romy Schneider… Com uma graça absurdamente rara hoje em dia.

Atire uma lata de filme quem não gosta de histórias sobre bastidores de algo.

Corrupção, dramas, sexo, pitis, há tudo ali, do bom e do pior.

Ainda no tema, há dois livros bacanas na praça – recentemente traduzidos para o português – que trazem esses faniquitos em doses cavalares: “Os Bastidores de Hollywood na Vanity Fair”, organização de Graydon Carter, e “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n’Roll Salvou Hollywood”, de Peter Biskind (este conseguiu escrever um clássico sobre fofocagem no cinema).

Taí uma boa idéia para Guilherme Fontes, o ator e diretor do interminável “Chatô – O Rei do Brasil”.

Dizem por aí que, feito um Clouzot com menos prestígio, dinheiro e fama, Fontes arrebentou o orçamento, deixou todo mundo louco, rodou horas e horas de material e ainda tungou a viúva.

E nada de filme estrear.

Seria esclarecedor um documentário mostrando o processo dessa superprodução nacional, os meandros políticos de uma obra assim, as brigas entre atores, a verdadeira história de algo completamente esquisito.

E, claro, ainda poderíamos ver cenas e imagens que comprovariam que Gulherme Fontes estava certo (ele só queria fazer um grande filme, não é?).

A única coisa chatinha é que no Brasil tudo é bem menos glamoroso.

Enquanto Clouzot se afastou porque seu coração não agüentou a pressão da arte, aqui, Fontes é condenado pela Justiça.

Olha aí outro bom tema para doc nacional: “O Inferno de Chatô”.

2 comentários em ““O Inferno de Chatô”

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