Tenho um sério problema. Sou viciado no Galvão Bueno. Fico chateado com essas campanhas que imploram para que o narrador da TV Globo feche a matraca – pra sempre, de preferência.
Como o escritor Joca Terron escreveu na “Folha” outro dia, “tudo adquire tons lancinantes sob a capa dramática de Galvão”.
Pra mim, ele preenche uma lacuna na dramaturgia nacional. Ele roteiriza uma partida com total maestria, coloca drama, humor (involuntário), cafonice e molho naquelas belas imagens patrocinadas pela Fifa.
Afinal, de que adianta todo aquele show se não tivermos história?
Certeza que o gringo Robert McKee diria que Galvão é um dos grandes roteiristas do Brasil.
Sem o Galvão, um gol seria apenas um gol. Com o narrador, vira comédia, épico ou o gênero que estiver na garganta desse Nelson Rodrigues dos estádios.
Que capacidade de sair da partida e nos falar sobre tudo (menos sobre que raios estamos vendo ali).
Galvão Bueno é o David Lynch das transmissões esportivas. Misterioso, indecifrável, mas capaz de nos deixar prazerosamente irritados (e hipnotizados).
Que baita personagem.
Taí um negócio incompreensível. Como a gente não tem pelo menos uns 50 bons filmes/novelas/séries sobre o mundo da bola?
Na ficção, a melhor coisa ainda é “Boleiros – Era uma Vez o Futebol” (1998), do Ugo Giorgetti… E no documentário, ficamos com o “Garrincha – Alegria do Povo” (1962), do Joaquim Pedro… Como assim?
Até mesmo Pelé conseguiu no máximo uma porcaria de um documentário oficial (o tal “Pelé Eterno” (2004), do Massaini).
Saudades do Luca (Mário Gomes), de “Vereda Tropical” (1984). Lembram? Novelona do Silvio de Abreu.
Só de birra fui na locadora e pesquei ali dois filmes recentes que falam sobre futebol. Claro, ambos gringos.
Um, o extravagante doc de Emir Kusturica (diretor do grande “Underground”) sobre Maradona. Pessoal, engraçadíssimo e emocionante, o cineasta sérvio mostra o gênio argentino exclusivamente sob suas fanáticas lentes.
Se a turma reclamou que o Oliver Stone puxou o saco de alguns líderes latino-americanos no seu “Ao Sul da Fronteira”, imagino o que diriam desse “Maradona por Kusturica”.
Pô, mas a intenção não era justamente essa? Uma visão parcial (tanto de Stone como de Kusturica)?
Mas não quero me afastar dos gramados.
E que dá vontade de torcer por Don Diego, isso dá.
Para equilibrar, também aluguei uma ficção escrita pelo inglês Peter Morgan (o mesmo roteirista de “A Rainha” e “Frost/Nixon”).
O filme é “Maldito Futebol Clube” e narra as desventuras de um treinador inglês na década de 70. Divertido, simpático e ideal pra quem não liga muito para as jogadas (mas sim para o drama/comédia da coisa toda).
O Galvão ia gostar.
Por aqui, nossos roteiros poderiam chutar para todos os lados. Mas parece que estamos também na era Dunga no cinema nacional. Ninguém manda para o gol, fica ali só na retranca, no resultado.
Caramba, temos aí Adrianos e Ronaldos sobrando, ideais para algo bem Hollywood, tanto no quesito policial como naquela baba sobre superação.
Há Richarlyson, pronto para fornecer material (sem trocadilho) para algo mais independente.
Que tal um soft porn com as mulheres do funk e marias-chuteiras?
E o Scorsese dirigindo o Belluzzo e se enfiando na máfia palmeirense?
Também outro dia vi a festa do Vagner Love lá no Rio de Janeiro. Pela quantidade de personagens, era fácil um filme do Fellini.
Realmente não entendo porque não temos mais roteiros com personagens do futebol.
Enquanto isso, pelo menos na Copa, o Galvão roteiriza um filminho por dia. Gracias.

Um trocadilho com o tema – e o conteúdo – do seu texto: “É tudo verdade”.
E valeu por decifrar o Galvão. Estou mais tranqüila agora, sabendo que somos vítimas de um roteiro em tempo real. Rarará.
Rara. “Vítimas”. Boa definição. É como um blockbuster no estilo “2012”. Você sabe que é uma porcaria, mas vai lá assistir. Bjs.