Os dias têm sido violentos. Na imprensa, só dá goleiro Bruno e o terrível caso do sumiço de Eliza Samudio.
Em campo, botinadas a rodo na final da Copa. Até tortura tivemos, com mais um show de Ivete Sangalo comemorando o encerramento de algum evento (ainda bem que depois contemplamos o choroso beijo de Casillas na sua namoradinha guapa, como para lembrar que futebol também é paixão).
Na política, parece que estamos diante de uma eleição absurdamente precária de idéias (e vices). Um verdadeiro terror, com projetos de governo remendados e discursos risíveis.
Então o que fazer? Como diz o singelo ditado, o que é um flato para quem está com fezes lotando as vestimentas?
Por isso joguei no DVD dois filmes lançados recentemente nos quais a porrada come solta. Cinema me parece um lugar bem decente para a catarse. Mais seguro que a urna ou um sítio em Minas Gerais, certo?
“Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia” (1974), de Sam Peckinpah, é estarrecedor, empolgante e de brinde deixa um cheiro enjoativo de morte pela casa.
A turma tá careca de saber que o Peckinpah jogava pesado. Suas tomadas em câmera lenta, sua sujeira e seu lado amoral produziram filmaços como “Meu Ódio Será a Sua Herança” e “Sob o Domínio do Medo”.
Porém, em “Tragam-me a Cabeça…” o cara (ainda bem) abusou. Nos já enlouquecedores anos 70, ele chocou a turba ao narrar a história de um músico picareta que vai atrás da cabeça do tal Alfredo Garcia, um Don Juan que engravidou a mocinha errada.
O trailer abaixo dá conta de explicar a trama. Aliás, uma peça publicitária honesta ao extremo, pois calcula até quantas pessoas são mortas durante a projeção.
Tiros, chacinas, gente enterrada viva e uma cabeça sendo guardada num pedaço de pano com um pouco de gelo e muita mosca.
Peckinpah sabia que todas as atrocidades poderiam ser feitas em nome da grana.
O filme é impressionante. Uma espécie de “Onde os Fracos Não Têm Vez”, só que sem o banho de loja e de bom gosto. Assim como os irmãos Coen, Peckinpah arrebenta sem dó com seu personagem principal.
No final, você fica com uma coleção de atuações inesquecíveis (Warren Oates limpando o pinto com álcool é genialmente ultrajante), ironia e vários tiros na cara.
Já “Harry Brown” é do ano passado. Dirigido por Daniel Barber e estrelado por Michael Caine, foi saudado na Inglaterra como o “Desejo de Matar” do século 21.
Harry Brown é um ex-fuzileiro, viúvo, solitário, que mora num subúrbio degradado.
Cercado pela molecada pós-“Trainspotting”, ele se depara com uma juventude drogada, violenta e sem nenhuma perspectiva.
Contando com a ineficiência da polícia, só resta uma saída para esse Clint Eastwood insular: justiça com as próprias mãos.
É como se o mordaz Walt Kowalski (personagem principal de “Gran Torino”) tivesse pavio curto e uma mira extraordinária.
Novamente estamos diante de um mundo não confiável, banhado por sangue, miséria e injustiça.
Todos são capazes de barbaridades e há sempre um esqueleto no quintal.
Com um roteiro simples, “Harry Brown” não empolga (apesar da bela sequência do tiroteio no bar).
Mas Michael Caine é capaz de oferecer extrema dignidade ao papel. Seu velhinho psicopata é intenso, dramático e convincente. Medo.
Trinta e cinco anos separando dois filmes que retratam a terrível violência de um tempo.
Em “Tragam-me a Cabeça” temos a ganância movendo o crime.
Em “Harry Brown” há uma juventude esquecida, órfã, perdida, filhos de todos os adultos mortos por Sam Peckinpah.
Exemplos de carnificinas e desesperança que vêm de fora.
Agora é esperar “Tropa de Elite 2” pra ver como o nosso cinema compreende e pensa as tragédias que o Datena mostra cotidianamente.

Clap, clap. Bem pensado, bem escrito – e ainda por cima com momentos engraçados.