Ponyo e Luka, um dupla genial

No final, éramos 40. E todos cantavam a musiquinha da Ponyo. Quem estava fora da sala escutava um murmúrio parecido com um “japororoneroro” e algumas gargalhadas.

Dentro do cinema, barbudos e garotas bem crescidas tentavam acompanhar uma canção em japonês. Um término de gala para uma sessão do novo filme de Hayo Miyazaki, “Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar”.

O que tinha começado sob a espada do anacronismo, acabou com aplausos e gritinhos de “é muito fofo!”.

No início, a única cópia legendada de “Ponyo” em cartaz em São Paulo recebia seu público de forma tímida. Os marmanjos se escondiam, com medo de serem pegos vendo um desenho animado considerado ideal para os “pequeninos”.

Eu mesmo me senti meio deslocado, entrando sozinho, não levando a mão de nenhuma criança.

Média de idade quando as luzes se apagaram: 29,2 anos. E nenhum petiz. O trailer de “Um Louco Apaixonado” (que já saiu em DVD e obviamente nunca vai estrear) conferiu ainda mais esquisitice ao evento.

Então veio a imensidão que é o cinema de Miyazaki.

Acostumados que estamos com as maravilhas coordenadas pelo John Lasseter (chefão da Disney-Pixar que acende uma vela todos os dias para o japonês), animação digital e roteiros amarradíssimos, eis que logo nos primeiros 15 minutos de “Ponyo” começamos a desintoxicar o olhar.

Alguém coloca um colírio alucinógeno na tela ou então a pipoca está batizada. Porque a nossa percepção muda, as ondas se alteram e podemos enxergar um tanto além.

As poltronas parecem de gelatina. Do meu lado, Timothy Leary ri alto enquanto Burroughs toma refrigerante e Albert Hofmann lambe selos coloridos.

Entramos no universo de “Ponyo”, um peixe-dourado que vira menina e passa a viver com o simpático Sosuke, garotão de seus cinco anos que mora num balneário japonês.

Águas que murmuram, sereias encantadas, velhotas hilárias, feiticeiros malucos, tsunamis belíssimos, tudo começa a nos envolver com força.

Até que esquecemos de organizar a história, de tentar entender as motivações do vilão, de buscar lógica na decisão da mocinha. Estamos lá dentro, em outro universo, com novas regras sendo ditadas a cada plano. Só nos resta navegar com vontade, se entregar a esse big-bang de cores, formas e criatividade. Miyazaki é o cara.

Aí falam que “A Origem” é um mergulho no subconsciente e na imaginação, na loucura etc. e tal. Voltarei ao tema mais tarde. Mas se você quiser realmente viajar, é muito mais negócio encarar o fuminho e a doideira do Miyazaki.

A sensação é de liberdade artística, de total desprendimento.

Ver “Ponyo” é reorganizar a mente, sacar que o mundo é pura invenção.

Dias depois, já em casa, me pego ganindo outra canção e mergulhando em um planeta diverso. A sensação é de observar um Miayazaki das letras.

O novo livro de Salman Rushdie, “Luka e o Fogo da Vida”, também é cheio dessa aventura emocionante, bem-humorada e cativante de “Ponyo”.

Na obra do indiano, mitologia, videogame e cultura pop se misturam na história de um garoto de 12 anos que se aventura por um mundo paralelo para salvar seu pai.

Bichos falantes, fantasmas atrapalhados e grandes temas tomam cada página.

Mais uma arte vendida para um público infanto-juvenil.

Pô, com Rushdie e Miyazaki, a criançada tá bem servida.

Ainda bem que a gente pode pegar carona nessas histórias e deixar as obras “para adultos” meio de lado.

http://www.youtube.com/watch?v=soHf8jnmQNs

2 comentários em “Ponyo e Luka, um dupla genial

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