“A Origem” (e o fim) do debate

Já estou gostando mais de “A Origem”, do Christopher Nolan. Não porque eu tenho sonhado com o filme ou coisa assim. Mas por causa de sua capacidade de provocar o debate e quase resgatar aquelas interessantes provocações intelectuais que animavam as folhas brasileiras.

É sempre bom ver qual tipo de discussão sai de uma briguinha usando o teclado como arma.

Como até Freud já sabe, “Inception” (pô, a tradução para “A Origem” é muita falta de sacanagem) mostra como um ladrão de sonhos (Leonardo DiCaprio) e sua turma conseguem se infiltrar na mente de um jovem empresário para alterar a percepção que ele tem da realidade.

Cá entre nós, achei o longa bem maçante. Há coisas boas sim. Principalmente se você analisar o filme como o Contardo Calligaris fez outro dia na sua coluna na “Folha”.

Mas é o bom e velho roteiro de assalto a um banco ou roubo do vagão de trem. Um líder problemático recruta uns parceiros para uma última missão bem louca. E aí, tudo pode acontecer.

Fico com a obra anterior de Nolan, “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, este sim um filmaço.

Mas sobre o que estávamos falando mesmo? Ah, sim, o tal arranca-rabo.

Alguém acompanhou os vitupérios que o Luiz Carlos Merten (do “Estadão”) espirrou no André Barcinski (da “Folha”)?

Para esclarecer um pouco o fight: o Barcinski escreveu algumas linhas no jornal do Frias contando que tinha achado o filme do Nolan bem fraco.

“[…] O grande problema de ‘A Origem’ é que a idéia é melhor que o filme. A trama é tão complexa e cheia de desvios que os personagens passam a maior parte do tempo explicando que vai acontecer na cena seguinte. Os efeitos visuais são assombrosos. Mas o visual não compensa a freqüente interferência desses diálogos explicativos, que não deixam a história fluir e, por fim, tornam tudo arrastado.”, escreveu Barcinski.

No geral, a crítica norte-americana foi mais benevolente com o Nolan. Entendo. Para a indústria de Hollywood, o que o diretor fez (injetar um pouco de filosofia e criação no meio da adrenalina das imagens) é uma questão para ser saudada.

É como se o Lula começasse a entregar a grana do Bolsa Família junto com um livrinho de algum autor médio. É uma tentativa. Mesmo que ninguém esteja muito interessado na leitura (e o escritor não seja nenhum Machado).

Voltando aos pontapés. Aí o Merten, do “Estadão”, não gostou do que o Barcinski escreveu e resolveu comentar em seu blog as opiniões do crítico da “Folha”:

“[…] Uma besta qualquer achou difícil, incompreensível – sei lá, porque não li o texto -, o que me leva a reproduzir Paulo César Pereio, homenageado deste Festival de Gramado, com o troféu Oscarito. Havia perguntando se era difícil dirigir Pereio, considerando-se que tem uma persona tão forte, e ele respondeu – ‘Quer facilidade? Come merda que não tem osso.’ […] O problema da ‘Folha’, mesmo não lendo o jornal, é que além de recorrer a factóides para desencadear – a qualquer custo – falsas polêmicas (em nome do interesse do público!), o jornal, pelo que sei, tem seus críticos sérios, os ‘respeitáveis’ (meu colega Inácio Araújo) e os ‘pops’, que não sabem nada ou não entendem o ‘difícil’.”

Uia. Essa é a situação de uma turma que escreve sobre cinema no mainstream (apesar que a anedota sobre o Pereiro foi boa, hein).

Aí não entendem por que o público nem sonha (ok, com trocadilho) em acompanhar os críticos nacionais.

Se ainda escrevessem com elegância… Outro dia mesmo o Sérgio Augusto (podem aplaudir) mandou um engraçadíssimo artigo no “Sabático” (caderno de literatura do “Estadão”) sobre o talento de alguns críticos do passado ao provocarem uns aos outros e também ao baterem nas obras.

Nos nanicos da internet há coisas melhores, como as linhas do Eduardo Escorel no site da revista “Piauí”.

Seria ótimo observar novamente o valor da crítica a partir de saudáveis discussões intelectuais, textos bem formados, palavrinhas buscadas lá no “Dicionário Analógico da Língua Portuguesa”, referências robustas, frases construídas como catedrais, análises empolgantes etc.

Mas parece que vai parar no “você é um bobo!”.

Nós, leitores, mais uma vez perdemos. E sorte de quem sabe inglês, porque pode continuar pensando e debatendo o filme com os artigos gringos nas mãos.

De qualquer maneira, valeu a tentativa, Nolan.

http://www.youtube.com/watch?v=4eAuBSTinYw

10 comentários em ““A Origem” (e o fim) do debate

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  1. André, não me admira… Há uma certa tendência pro aplauso ao cinemão. Boa parte da crítica infla expectativas do público com mil elogios aos filmes “inovadores”. Com “Avatar”, por exemplo, foi acachapante. Com “Inception” também rolou, mas em menor intensidade. Dois filmes fracos, vendidos como grandes novidades. Desci a lenha em “Inception”. No meu espacinho, ainda me dou esse direito. 🙂

    1. Também me parece que estão subestimando demais a turma. Outro dia a “Folha” publicou páginas e páginas para explicar “Inception”. Isso é sério? Nolan fez um roteiro extremamente lógico, explicativo. A parte boa é que talvez esse blábláblá todo indique que o cinemão quer mais filmes um tantinho elaborados. E concordo com a crítica que você escreveu no seu espaço. Abs.

  2. Engraçado como as críticas de filmes no geral me tiram a vontade de ir ao cinema. Avatares e mundos azuis tampouco me encantam… Logo os clássicos em DVD e as séries consomem melhor meu tempo. Faltam boas críticas sim, daquelas que fazem a gente ver o mesmo filme cinco vezes para pegar a fotografia de um momento. Eu ando revendo tudo, Born to kill, Crepusculo dos deuses, Manhattan, até O Piano rs

    1. Só as críticas do Inácio Araújo ainda me passam essa vontade de correr para um filme. Boa escolha de revisão hein… Kubrick, Wilder, Allen… Mas pensando em “O Piano” (tem Harvey Keitel e Anna Paquin né… já basta), a Jane Campion lançou um bem bonito por esses tempos – “Brilho de uma Paixão”. Vale.

  3. Nohan foi mais uma vez brillhante!!!Para quem não entendeu,provavelmente se ”aprofundou” literalmente no filme e drmiu(No caso d meu amigo)Bem,não digo que seja um filme surreal,mesmo prq os meus sonhos são daí para pior,já tive sonhos em sonhos…Algo interessante,assustador e com pessoas desconheidas..Só não tive a ”capacidade” de trazer pessoas para compartilhar tal sonho especifico,seria bem exitante…Pois bem,não é de levar o Oscar,porém valeu sim! ABS ..Andre.

  4. o que acontece hj em dia é muito simples :
    o ser humano nao se permite mais sonhar ,nao se permite em acreditar mais no impossivel. o ser humano hj nem sabe o que quer de verdade. se o filme como “tropa de elite ” arranca tantos elogios por mostrar a verdade tao nua entao porq ninguem acorda para realidade e resolve lutar para resolver os problemas do nosso mundo .ha um monte de filmes e documentarios revelando a verdade e a podridao desse mundo que TODOS nos resolvemos fingir que nao existe . agora qunado filmes resolvem explorar o impossivel o imaginavel como a origem e o matrix ou quando retrata uma fantasia de um mundo perfeito vivendo em harmonia como no filme avatar sao taxados como filmes comerciais e vazios …
    a origem foi muito bem feito e elaborado .as pessoas se acostumaram a ver filmes minimamentes explicadinhos para nao ter que queimar seus neoronios tentanto entender o filme . tente escrever um roteiro de um filme como esse …nao é nada facil….
    quando forem ao cinema esvazie suas mentes esqueça o que é certo ou errado se proponha a entrar na historia. o cinema é arte . e a oportunidade de ver o mundo com outros olhos em outro angulo. se permita a sonhar . em acreditar nem que seja so por 90 minutos no impossivel.

    1. Obrigado por deixar sua opinião aqui. E numa coisa concordo sem hesitar: é muito difícil escrever o roteiro de A Origem. Não defendo o filme de forma apaixonada como você, mas todo o debate que ele gerou o coloca entre os longas mais interessantes e indispensáveis dos últimos anos. Abs.

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