Tinha que ser assim. Neste ano, um dos melhores filmes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo foi uma minissérie.
Em 2010, a TV mostrou que pode se tornar a principal plataforma para quem gosta de dramaturgia de qualidade e textos ousados.
Gritavam por aí que os índices de audiência iriam cair tanto que detonariam de vez os princípios de originalidade e risco vindos desses aparelhos demoníacos.
Porém, quando a coisa apertou, os canais de TV montaram pequenas guerrilhas. Grupos de escritores, produtores e atores ocuparam as emissoras e de lá lançam suas bombas de criatividade, redefinindo o papel da televisão no universo audiovisual.
“Carlos”, de Olivier Assayas, um projeto francês de quase seis horas que uniu Sundance Channel, Studio Canal e Film En Stock, é um arrasador mosaico sobre o terror político nos anos 70 e 80.
Se hoje reclamam do excesso de segurança em aeroportos norte-americanos, dêem uma espiada no que acontecia antes.
A coisa toda rolava sem firula ou elegância. Chega a ser engraçado (por tocar num certo surrealismo) um dos atentados exibidos em “Carlos”. Os sujeitos chegam num aeroporto, tiram uma bazuca da mochila e atiram num avião que está taxiando. E depois fogem de carro. Simples assim.
Ilich Ramirez Sanchez (nome verdadeiro de Carlos) deve ler os jornais em sua cela na França e pensar que não se fazem mais guerrilheiros como antigamente.
A minissérie roteirizada por Assayas e Dan Franck custou cerca de US$ 18 milhões. Uma pechincha.
Os episódios seguem Carlos, venezuelano que se alista na Frente Popular pela Libertação da Palestina nos anos 70 e firma explosiva carreira como terrorista.
E o trocadilho só entrou na frase acima porque serve bem ao espírito desse anti-herói fanfarrão, com especial apreço pelas pequenas e pela bebida.
Egocêntrico e inteligente, ele se tornou o Pelé dos atentados.
Depois de alcançar a fama ao seqüestrar ministros de diversos países que participavam de uma reunião da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) em Viena, Carlos teve altos e baixos em sua trajetória de astro do terror.
Mas sempre contou com uma ampla rede de amigos influentes, presidentes de ditaduras no Oriente Médio e chefes de organizações clandestinas abastecidas por impérios milionários.
A vida de Carlos (interpretado com genial determinação por Edgar Ramirez) agrega parte da história política do século passado. E a minissérie relata com extrema tensão e acuidade cada negociação e planejamento de atos terroristas.
Acompanhamos a montagem de células clandestinas em Berlim, Beirute ou Budapeste. Olhamos o tráfico de armas entre países da Europa e a África. Enxergamos como o fim da Guerra Fria propiciou o surgimento de indivíduos prepotentes e rancorosos.
Toda cena empurra a ação pra frente. Vi o filme na Mostra numa projeção estupidamente horrível, que envergonharia o mais sacana camelô de DVDs piratas. Mesmo assim, foi impossível sair da sala durante suas cinco horas e meia.
Intrincado e chocante, “Carlos” revela que de fato a TV está viva, ousada e perigosa. Ainda bem.

“It’s not TV, it’s HBO”. Não é isso? rsrs
Juntando alguns textos seus aqui no blog, dá pra perceber que você pegou no ar esse fenômeno da “transferência” de uma certa qualidade cinematográfica para as pequenas telas.
Pois é. Esse é um movimento interessante dos últimos anos. A TV encontrou um jeito de sobreviver pela vanguarda. Na verdade, certas obras que ela oferece hoje lembram a dramaturgia encampada pelo cinema norte-americano dos anos 70 (violência, questões políticas, flerte com realizadores europeus etc.). Tem muita coisa em jogo. Vale o estudo. Bjo.