O insensato coração da noveleira

UMA NOVELA

Diante de uma novela da Globo todo crítico procura ser um Roberto DaMatta. Esses enormes folhetins televisivos com mais de 200 capítulos ainda são a força motriz da dramaturgia nacional (e de venda de revistas, audiência para programa de fofocas, etc.).

E no mundo que demanda tanta atenção e promove um show de assuntos e dispersão, realmente soa anacrônico um treco que exige nosso olhar diariamente e por meses seguidos.

Parece um tratamento médico, cheio de regrinhas, horários e sofrimento.

Quem tem tempo pra isso se a situação não for de risco?

Mesmo assim as novelas seguem soberanas, beliscando mais de 30 pontos no Ibope em pleno 2011, quando parece que até o mundo já vai deixar de existir.

As baratas e as novelas vão persistir. Será que os maias escreveram algo sobre isso? Vale a pesquisa.

Insensato Coração, de Gilberto Braga e Ricardo Linhares, é o novo objeto de estudo daqueles que usam as telenovelas para explicar o Brasil (zzzzzz).

Há sempre um desespero antropológico para entender como essa estrutura de história ainda fisga a moçada, mobiliza o Twitter e aumenta os decibéis das conversas nos salões.

A redundância da história, a direção mequetrefe, os merchandisings inescrupulosos, os diálogos toscos, o cenário esquisitão… Não faltam motivos para todos nós desconfiarmos que qualquer novela apresenta problemas (e se a gente comparar com séries e minisséries… xiii).

E o que dizer do ritmo? Os matemáticos nos ajudam quando temos que explicar o absurdo por meio de números.

Uma novela tem em média 200 episódios. Cada um apresenta uns 35 minutos de arte (tempo de trama). Usando o ábaco descobrimos que são 7 mil minutos de exibição; ou 116 horas; dá pra assistir umas 38 vezes seguidas o Titanic (e você achava o filme longo, lembra); ou até rola terminar de ler com folga toda a obra do Balzac.

Então novela é perda de tempo e só atrai quem não tem opção? Peraí. Existe uma complexidade que a frieza dos números não consegue captar.

Raciocinar sobre por que as novelas ainda fazem sucesso é como desvendar todas as brincadeiras da física quântica. Não é simples, não.

Até porque hoje o público sabe de toda essa redundância, foi educado com a tal encheção de lingüiça e ri dos truques baratos do enredo.

Os caras são espertos. O Homer até pode assistir ao Jornal Nacional, mas na hora da novela entrega o controle para a esperta Marge.

Já no primeiro capítulo de Insensato Coração, ela reclamou principalmente:

– de toda a sequência do avião; comentou que a ação foi precária, o vilão desabou após ser ferido no tendão com uma faca de brinquedo e que uma aeronave não voava daquele jeito.

– do Lázaro Ramos versão Zé Mayer (aliás, só em novela um designer – de barcos ainda! – atrai tanto paparazzi).

– da abertura (não entendi nada, mas parece que é uma escultura do Zimbábue, também conhecida como “surubão”).

Mas a Marge também enxergou todo o potencial cômico da personagem de Deborah Secco (que faz metalinguagem), adorou a volta da Tia Celina, curtiu a determinação da mocinha e vibrou com a canastrice do Fagundes e do Zé Wilker.

De qualquer maneira, há centenas de episódios no horizonte. E mesmo com tudo tão óbvio, os autores têm que seguir em frente, voltando a trama, explicando as coisas mil vezes, sacaneando o mocinho, explorando o vilão, etc.

Por que a Marge sabe dessas idiossincrasias todas, entende que existem dezenas de produtos mais interessantes, mas continua ligada?

Só por passatempo? Sei não. Desvendar isso é como tentar explicar os motivos que levam alguém a torcer pelo Palmeiras na atual fase. É um trabalho fadado ao fracasso.

A noveleira é uma eterna apaixonada, daquelas que sabe os defeitos do amado, mas sempre dá mais uma chance para ser surpreendida. Vai saber. Melhor do que ficar sozinha.

Por isso o título da nova obra das nove é de uma extrema felicidade. Pois não há muitas razões para certas coisas neste mundo. E acompanhar novela é uma delas. Coisa de insensato coração, né não, Marge?

UM TRAILER

Vem aí The Beaver, dirigido por Jodie Foster. Mel Gibson faz um sujeito que conversa com um fantoche. Parece que não há meio termo: ou é obra-prima ou lixo.

2 comentários em “O insensato coração da noveleira

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  1. Só tenho uma palavra pra vc: Genial! Confesso que também assisti ao primeiro capítulo e, como a Marge, reclamei da cena do avião. Ainda não tinha parado pra pensar no “Lázaro Mayer” designer de barcos, mas é verdade que é muito surreal, tanto a parte do Mayer como a parte do designer. Poxa, confesso que normalmente as novelas das 18h costumam entrar como tratamento médico e não sei por que, mas das 21h sempre acho chatas e sem noção. Mas é verdade, se ninguém explica como ainda existem Palmeirenses desde a temporada do ano passado, como explicar os seguidores de novela, né? Se bem que as novelas têm os mocinhos gatinhos e tals, não deixa de ser um plus. rs

    1. Rara. Verdade. Seguindo sua teoria, pelo menos as noveleiras têm esses que você chama de gatinhos (e os noveleiros podem ver a Camila Pitanga, o que já explica muita coisa). Agora, as palmeirenses, tadinhas, têm o Valdívia… Bjs.

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