UM LIVRO
Vivemos um tempo de despedidas. No Egito, Mubarak teve que abandonar o poder antes de virar múmia (ou mesmo depois de virar, depende de quem vê).
Na República Popular do Corinthians, Ronaldo pendurou as chuteiras antes de ser empalado por torcedores.
Nos dois casos, parece que a vitória foi da pressão do povo. No país africano, a multidão tomou a praça Tahir por 18 dias e exigiu a retirada do seu ditador; na nação alvinegra, uma turma apedrejou carros e pichou o Parque São Jorge para protestar contra o corpo mole de alguns jogadores e o excesso de peso de Ronaldo.
Também faltou timing para os dois reis que perderam a cabeça. Mubarak poderia ter escutado os amigos norte-americanos e deixado o Cairo antes do circo pegar fogo; o Fenômeno esticou um tantinho a carreira (sem trocadilho) para tentar um último triunfo e ignorou sua péssima condição física.
E, claro, tanto lá como cá, o povão fica com um espólio enlameado. Enquanto Mubarak e Ronaldo vão curtir os dividendos (milhares deles), o Egito enfrenta uma terrível transição e o Timão segue sem Libertadores.
Aparentemente, o clube brasileiro está um pouco melhor que o Egito, pois é o Liédson que tenta preencher o vazio do poder (e não uma junta militar ou outro aventureiro).
Para tentar entender tudo o que Ronaldo significou para o futebol, podemos ler diariamente Juca Kfouri, PVC, Tostão, Wisnik e freqüentar qualquer boteco.
Já para desenrolar a situação no Egito, a coisa toda é mais complicada (até porque os botecos do Cairo estão longe).
Apesar de a imprensa tratar os dois assuntos (Egito e Ronaldo) com a mesma emoção, a fuga de Mubarak pode significar uma mudança drástica na escalação geopolítica do planeta; enquanto que o adeus do maior artilheiro em Copas provoca uma alteração no ataque corintiano em meia dúzia de jogos.
Neste momento de crises, vale lembrar – e recomendar – a leitura do fenomenal O Vulto das Torres (Companhia das Letras), de Lawrence Wright.
Quando um atentado cinematográfico derrubou as torres do WTC, em NY, parte do mundo apontou imediatamente o vilão da história: o fundador da Al-Qaeda, Osama bin Laden.
Enquanto autoridades buscavam a cabeça do culpado, o escritor e jornalista Lawrence Wright duvidou das explicações simplistas e saiu à caça dos reais motivos desse ato extremo.
Cinco anos depois, ele lançou O Vulto das Torres, laureado com o prestigioso prêmio Pulitzer.
Wright leu relatos, entrevistou centenas de pessoas e traçou um estupendo panorama dos conflitos no Oriente Médio, das origens de homens-bomba e dos treinamentos de grupos radicais islâmicos.
Em seu roteiro histórico surgem como personagens principais nomes como o do educador islamita Sayyid Qutb, o do doutor Ayman al-Zawahiri, o de Bin Laden e o do agente especial do FBI John O’Neill – este, revelando o conflito pelo poder entre os serviços de inteligência norte-americana.
Construído como um empolgante thriller – o autor foi co-roteirista do profético Nova York Sitiada -, O Vulto das Torres mostra a formação de dezenas de ideólogos e personalidades que um dia se encontrariam numa espécie de juízo final antecipado.
Com detalhes valiosos e informações esclarecedoras, mergulhamos num documentário repleto de tramas e morte. Mas com um final ainda assustadoramente desconhecido.
Pelo livro, entendemos que tudo o que acontece no Egito pode ecoar até mesmo na República Popular do Corinthians.
UM TRECHO
Assim Lawrence Wright descreve Hosni Mubarak em trecho da página 239 de O Vulto das Torres:
“Hosni Mubarak, o presidente egípcio, é um homem atarracado e sem pescoço, lábio inferior pesado que se projeta para a frente quando fala, bochechas carnudas, pálpebras espessas sobre os olhos, como um busto de argila inacabado. Tinha 67 anos em 1995, mas tingia os cabelos ondulados de preto brilhante, e os cartazes com seu retrato no Cairo mostravam um homem vinte anos mais novo – a imutabilidade era o aspecto mais óbvio de seu governo.”

Engraçado, além de sagaz.