Pena que a anemia da produção cinematográfica nacional (e a triste dependência do Estado) lance Bruna Surfistinha, de Marcus Baldini, com cinco anos de atraso. Se visto em 2006, poderia ter sido saudado com a mesma alegria que A Rede Social, de David Fincher, foi em 2010.
Há cinco anos a menina Raquel já era capa da revista Época e a moçada queria saber como um blog tinha impulsionado a carreira de uma garota de programa. Hoje, o papo é outro. Os blogs perderam espaço para diversos serviços da rede e todo esse ótimo trecho do filme – o uso de uma ferramenta virtual para promoção própria – fica um tanto embolorado.
Se jogado no mercado daqui a vários meses, a história de Mark Zuckerberg, por exemplo, não perderia o interesse, mas estaria um passo atrás dos acontecimentos. Uma das coisas – talvez “a” coisa – que distingue uma grande obra é sua capacidade de dialogar com os espectadores de seu tempo – e, claro, depois se mostrar perene.
Bruna Surfistinha tem dois trechos excelentes – além de todo um miolo agradável, cenas até ousadas e uma bonita entrega de Deborah Secco. Um que consegue com notável força tocar nesses pontos – ser atual e ao mesmo tempo eterno – é formado pelas sequências que relatam os bastidores de um prostíbulo. Raras vezes tivemos a oportunidade de observar as meninas em seus tempos mortos, nos momentos em que o sexo não é uma questão – em que esses personagens deixam de existir nas telas. Com um elenco de apoio impecável (de Fabíula Nascimento já esperamos competência, portanto é Cristina Lago que nos atrai com soberba adaptação física), surge o desejo de ficarmos ali pelo resto do filme. São momentos de ternura, de construção de personalidades e perrengues que não estamos acostumados. Pena que a história teve que continuar e as pequenas fiquem largadas pelo caminho.
A outra questão que surge com competência é o uso da internet. É a rede que faz de Bruna uma prostituta invulgar. A partir de seu blog, ela inverte sua posição na sociedade e faz isso numa enorme escala, abarcando milhares de pessoas. Se no filme A Rede Social Zuckerberg parece ter inventado uma maneira de conquistar um bilhão de amigos virtuais mesmo sendo um desastre nos relacionamentos pessoais, em Bruna Surfistinha a órfã que sofria bullying consegue o afeto de milhares de homens via www; e mais, ainda se vinga ao dar notas para os clientes, promovendo o seu próprio bullying virtual.
Essa discussão seria um grande espetáculo há cinco anos e seguraria todo o roteiro do filme. Esse ponto da fragilidade do nosso cinema – a demora em tocar certos temas – precisa ser olhado com atenção. Não há indústria farmacêutica capaz de sobreviver se os remédios não forem lançados para combater as doenças enquanto elas existem. Parece inacreditável, mas o exemplo continua válido (mesmo com a produção atingindo bom público nos dias atuais): é como se o 11 de Setembro tivesse acontecido no Corcovado e o cinema brasileiro ainda estivesse buscando verba para viabilizar algum roteiro sobre o tema.
Bruna Surfistinha seria um filme ainda melhor se lançado em dezembro de 2006.
UMA LEMBRANÇA
Menina Má.Com, de David Slade, apareceu nos cinemas em 2005, auge das salas de bate-papo na internet. Hoje, sua história ainda assusta. Patrick Wilson é o lobo mau que atrai a Chapeuzinho Ellen Page. Bom exemplo de uma obra que conseguiu discutir um assunto contemporâneo, gerar debate e sobreviver.

Parabéns por mais este belo post, André! Você escreve muito bem e traz sempre uma análise aprofundada sobre os assuntos.
Abraço, Vanessa
Valeu, Vanessa. Beijos.