Rango, Franzen e os filmes “What The Fuck?”

A animação Rango é a salvação para todos aqueles que gostam de filmes WTF e andavam meio descrentes com o estado das coisas. Peguei a expressão de Peter Travers, crítico da revista Rolling Stone.

WTF é a sigla para “What the Fuck?”, algo como “que porra é essa?”. Pois Rango é um dos candidatos para encabeçar a lista dos filmes mais WTF do ano. E estou aqui elogiando o longa dirigido por Gore Verbinski, divertido diretor dos três primeiros Piratas do Caribe.

Tudo em Rango é anacrônico, estranho, estimulante, colorido, bizarro. Se David Lynch resolvesse se aventurar por um desenho animado, certamente… Não. Pensemos em algo mais esquisito ainda. Pegou o espírito?

A simples existência de um longa-metragem desses nos faz acreditar na indústria de Hollywood. Executivos que jogam US$ 150 milhões em algo tão incandescente e perturbador só podem ser sujeitos respeitáveis. Ou loucos.

É tanta doideira, que alguns jornalistas não conseguiram descrever para quem a obra é dirigida – pelo visto para todo mundo, pois faturou respeitáveis US$ 40 milhões na abertura e quebrou recordes. Na falta de vocabulário, disseram que o filme não era tão bom por ser “criativo demais”. Eis um conceito que me faz sabotar certas folhas.

Aliás, o roteirista de Rango, John Logan, também pode concorrer na categoria de escritor mais WTF do cinema atual. Em seu CV, ele carrega O Aviador, Um Domingo Qualquer, Gladiador e O Último Samurai. WTF? O cara é pau para toda obra.

Imaginem o nosso amigo tendo que vender o argumento de Rango para o pessoal da grana. Diz a lenda que se você não conseguir resumir sua história em cinco linhas, pode esquecer o financiamento e a glória. Então lá foi Logan para a reunião com os produtores. E deve ter soltado as seguintes frases: “É a história de um camaleão que vivia sozinho dentro de um aquário, mas um dia acaba se perdendo no deserto de Mojave. Ele encontra uma cidadezinha povoada por lagartos, toupeiras e outros bichos que sofrem com a falta de água. Como gosta de atuar, finge que é um famoso pistoleiro e vira o xerife do lugar. Mas o prefeito-tartaruga, que usa cadeira de rodas, resolve melar tudo e…”. Neste momento interromperiam o Logan para exclamar: WTF?

São bichos animados que citam Kim Novak, Kierkegaard, exames de próstata, John Ford e George Lucas; procuram o espírito do Oeste encarnado em Clint Eastwood; vivem uma história mirabolante com ecos do filme Chinatown; encontram Hunter Thompson e… WTF?

Para complicar de vez, Johnny Depp dubla o camaleão com aquele inconfundível deboche.

As cenas são visualmente fantásticas, com grandes perseguições permeadas por diálogos potentes e até mesmo pequenos monólogos (o inicial é um WTF? daqueles).

Rango não é um filme, é um evento. Enquanto produzirem coisas assim, a arte e o humor estão salvos.

UM TRECHO

Rango merece ser visto porque é divertido. Simples assim. Muitas vezes o termo “diversão” acaba sendo usado como algo pejorativo. WTF? Desconfio de quem diz que algo é “apenas entretenimento”. Saiba que fazer um treco divertido leva tempo, suor e lágrimas.

A nova – e espetacular – edição da revista Serrote traz uma entrevista com o escritor norte-americano (o melhor vivo, segundo muitos) Jonathan Franzen. Trata-se de uma daquelas conversas publicadas originalmente na The Paris Review. Coisa finíssima. E vejam como essa vaca sagrada responde a uma questão sobre “diversão”

Parece que a diversão foi uma parte importante no início da sua carreira de escritor.
A diversão ainda é uma parte importante da escrita. Quero dar prazer em tudo que escrevo. Prazer intelectual, prazer emocional, prazer lingüístico, prazer estético. Eu tenho em minha mente 500 exemplos de romances que me deram prazer, e tento fazer um trabalho que devolva algo do que esses 500 livros me deram. A epígrafe de Strong Motion é extraída de Isaac Bashevis Singer, que é bastante favorável a isso. Seu discurso na premiação do Nobel, no qual ele afirma que a responsabilidade primária de um contador de histórias é entreter, me marcou profundamente.