Momento terrível este em que vivemos, quando há uma sede por respostas, qualquer uma. Então alguém mata crianças em Realengo, no Rio de Janeiro, e precisamos saber as razões (mesmo que tenhamos de inventá-las). E os especialistas nos confortam com suas teorias e confabulações, afinal estamos no século 21, e quase tudo pode ser explicado.
(Cabe aqui uma observação sobre essa turma, a dos especialistas, que só não tomaram o lugar de Deus porque ainda são desorganizados, mas já conseguiram ser oniscientes e onipresentes.)
Pois existem perguntas que não podem ser respondidas. Esse profundo mistério é o milagre que nos faz estar aqui. Como lembra o escritor, jornalista e neurocientista Jonah Lehrer, um milagre precário, pois todos nós corremos o risco de desmoronar, feito o psicopata que atirou nos jovens cariocas.
Saber da fragilidade da sanidade é lidar melhor com a nossa consciência. Algum especialista apareceu na mídia para simplesmente dizer “não sei por que esse sujeito matou pessoas no Rio; ou melhor, sei… porque ele é humano, e as pessoas fazem coisas desse tipo. Por quê? Eis uma boa pergunta”.
É mais fácil não provocar esse ruído. Nossa mente gosta de padrões e uma narrativa bem definida. Pensar num maníaco mentalmente perturbado ou num terrorista doidão nos livra do problema – e da pergunta. Às vezes, como diria a vovó, o buraco é mais embaixo.
Ainda bem que existe a arte, tão pródiga em nos oferecer essas questões – e não as respostas. Bom momento para desligar o noticiário e assistir ao perplexo Elefante, de Gus Van Sant, que trata do massacre na Columbine High School, no Colorado (EUA), quando dois jovens mataram 13 pessoas e feriram outras 21.
Ou, para fugir do óbvio, conferir Reino Animal, lançado recentemente no Brasil direto em DVD. Neste primeiro longa de David Michôd, acompanhamos a rotina de uma pequena gangue familiar que atua em Melbourne, na Austrália.
Além de ser um filme sem firulas, seco, distante da maravilhosa verborragia de Scorsese ou da grandiosidade de O Poderoso Chefão, temos em Reino Animal um dos personagens mais assustadores dos últimos anos.
Andrew “Pope” Cody, interpretado de forma doentia por Ben Mendelsohn, revela em cada olhar a existência do mal. Membro da gangue, ele está sendo perseguido pela polícia e tenta se livrar de um flagrante. Pope se dedica a atazanar os irmãos, molestar o sobrinho, matar policiais, manipular a mãe… Tudo com um imenso prazer. Para ele já não importa mais se livrar da cadeia ou acumular fortunas com o tráfico; sua vida só ganha sentido quando ele se descobre capaz de desestruturar tudo que está ao seu redor.
Um homem jogado no abismo.
A boa arte sempre nos leva para esse lado escuro. É saudável saber que o elefante estará sempre no meio da sala.
UM LIVRO
“Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente, que se nutre de vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas. Tal como a viúva confiante, que acorda um belo dia e descobre que aquele rapaz encantador e todas as suas economias sumiram, o indivíduo que consente em ser tema de um escrito não ficcional aprende – quando o artigo ou o livro aparece – a sua própria dura lição. Os jornalistas justificam a própria traição de várias maneiras, de acordo com o temperamento de cada um. Os mais pomposos falam de liberdade de expressão e do ‘direito do público saber’; os menos talentosos falam sobre a Arte; os mais decentes murmuram algo sobre ganhar a vida.”
O trecho acima é de O Jornalista e o Assassino, de Janet Malcom, relançado agora em formato de bolso pela Companhia das Letras. Boa leitura sobre a ética jornalística. Principalmente agora, que os urubus estão soltos.

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