Os cinco primeiros minutos do filme De Volta para o Futuro (1985), de Robert Zemeckis, têm mais imagens e elegância narrativa do que todo O Homem do Futuro (2011), de Cláudio Torres. Isto não é uma boutade – e sim um fato.
Façam a experiência. Assistam ao início do longa norte-americano, aquele em que Marty McFly (Michal J. Fox), um garotão de 17 anos, entra num laboratório cheio de relógios e bugigangas procurando o doutor Emmett Brown (Chistopher Lloyd).
Numa sequência impecável e formulada com uma precisão matemática, conhecemos os personagens principais (um é inconseqüente; o outro é doido), somos arremessados para dentro da história (observe como o plutônio aparece) e ainda ganhamos de graça a cena em que McFly é espancado por ondas sonoras.
Recomendo que você continue com o experimento e entenda como Zemeckis e Bob Gale (os roteiristas) mostram o espaço onde grande parte da ação do filme irá acontecer – Hill Valley, a pacata cidadezinha que de tão consistente deve existir em algum mapa dos EUA.
Cada informação aparece de uma maneira, o que nos motiva a continuar ligados em todas as sequências, coletando os dados que vêm de um alto-falante, do relógio de uma torre ou de um mendigo. Esse “juntar de peças” faz até alguns freqüentadores dos cinemas de hoje desligarem seus celulares e calarem as matracas.
Duas horas depois e você percebe que viu o filme pela milésima vez. Agora se divertiu ainda mais com as referências dos terroristas líbios e curtiu (palavra meio desgastada graças ao Facebook) cantarolar bem alto o tema bolado pelo Alan Silvestri.
De Volta para o Futuro gerou duas continuações, bilhões de dólares de bilheteria, sucesso instantâneo para todos os envolvidos (inclusive para o modelo DeLorean) e algumas cópias.
Claro, para o experimento ficar completo e você tirar suas próprias conclusões, seria necessário assistir ao O Homem do Futuro. Mesmo sabendo que tal recomendação é cruel, tenho que pedir para que a comparação seja feita a partir da visualização dos dois projetos de cinema.
A idéia não é escolher qual o melhor filme, mas sim apontar aquele que consegue lidar de forma orgânica e empolgante com a imagem e a trama.
Adianto o meu resultado: a versão brasileira de De Volta para o Futuro se recusa a acreditar na imagem.
O último filme de Cláudio Torres, A Mulher Invisível, já carregava – no título até – essa precariedade no trato com o olhar. Tudo se resolvia no plano dos diálogos, da informação oral, de um infindável blábláblá.
O mesmo acontece agora, com nenhuma sequência digna de ser lembrada no futuro, porque não há imagem em O Homem do Futuro.
Direção de arte, fotografia, figurinos, tudo nos leva a crer na fragilidade das informações transmitidas pelos espaços e atores.
A máquina do tempo inventada pelo cientista Zero (Wagner Moura) é menos curiosa e tem menos força visual do que um trenzinho de brinquedo construído pela molecada do Super 8, de J.J. Abrams.
As diferenças entre 2011 e 1991 (os tempos nos quais a ação acontece) não são exploradas visualmente, mas apenas nos diálogos (bem frouxos). Sobre este tópico, vale visitar o comentário feito por Inácio Araújo (leia aqui).
Mas vamos voltar para a nossa experiência. Perceba como McFly entende que foi parar em 1955, voltando trinta anos na história, e compare com a pobreza de idéias da cena em que Zero desperta em 1991, vê uma imagem na TV e depois pergunta para alguém em que ano está.
E o que dizer do uso do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, projetado por Oscar Niemeyer, como a fortaleza intransponível de um dos Zeros do futuro? O espaço é tão pouco integrado na narrativa que a única curiosidade é: quanto custa o ingresso e quais os horários em que podemos visitar o local?
Causa mais espanto ler diversas críticas positivas sobre o filme. Não pelo fato de muita gente ter gostado do longa, mas porque alguns profissionais do jornalismo cultural elogiaram os “efeitos especiais dignos de Hollywood”.
Eu estou ficando gagá ou o canal do MysteryGuitarMan tem efeitos visuais mais criativos e bem elaborados do que O Homem do Futuro?
Pelo que eu me lembre (e, acreditem, eu preferia esquecer), conseguimos observar no filme brasileiro um apagão, um corpo que se desmaterializa, um ou outro raio e a Alinne Moraes – esta sim o único efeito especial da obra, uma das poucas imagens deslumbrantes que deve sobreviver nas próximas décadas.
Outro ponto exaltado é a interpretação de Wagner Moura – que está sendo explorado pelo Capital, pois além de fazer três personagens em O Homem do Futuro, teve que interpretar outros trocentos em VIPs.
Infelizmente a mais-valia tem comido um pouco o talento do baiano, pois é um tanto ridículo ter que engolir seu cientista quando tem 20 anos de idade. Acho que esse tempo em Hollywood, onde existe um sindicato forte, pode ajudar um dos melhores atores de sua geração (ele vai filmar Elysium, novo projeto de Neill Blomkamp, o mesmo de Distrito 9).
Talvez algum fã da Legião Urbana argumente que pelo menos a música-tema de O Homem… (Tempo Perdido) é melhor que a De Volta… (Power of Love, com Huey Lewis and the News). Cada um se agarra onde pode, certo?
Sou tão ruim em previsão quanto qualquer meteorologista, mas poderia apostar que daqui a dez anos ainda estaremos revendo De Volta para o Futuro; e não saberemos de onde veio e para onde foi esse O Homem do Futuro.

Excelente. Pessoalzinho deve estar precisando revisitar esse clássico do cinema – e da imagem, como você bem apontou.
Opa. Pra ontem. Bjo.