“Avenida Brasil”: o vício do gancho

Leio por aí diversas teorias sociais sobre a telenovela Avenida Brasil. A turma gosta de escrever sobre a atração pela vida no subúrbio que o programa gera, o embate entre empregada e patrão, a trilha sonora recheada de jargões infantis (aproveitem e resgatem Meu Ursinho Blau-Blau) etc. Parece que o acerto do autor, João Emanuel Carneiro, vem apenas dos temas, mas não da estrutura.

Opa, cadê a nossa Emily Nussbaum para explicar que todo esse bafafá em torno da novela das nove também é por causa do insistente poder do cliffhanger (conhecido como “gancho”)?

Emily colabora para a revista The New Yorker e na edição de 30 de julho escreveu um competente e indispensável artigo sobre o tal cliffhanger, que nada mais é do que deixar o pessoal congelado na última cena e fazer aquele suspense – “e agora? O que vai acontecer no próximo episódio?”.

João Emanuel é conhecido nos corredores do Projac, a sede da Globo no Rio, como “Capitão Gancho”, pois o sujeito sabe lidar com essa suspensão, com a frase “what happens next?”.

Fazia tempo que a molecada não chegava em casa perguntando: “E aí? O que rolou na novela hoje?”. Porque parece que todos os dias algo realmente acontece em Avenida Brasil.

Você anda nas ruas e encontra fotos de ministros do Supremo congelados; motoristas de ônibus encalhados em seus olhares de espanto; crianças paralisadas diante do próximo passo. Essa ideia de “e agora?” tomou conta do país. Tudo culpa dos ganchos de João Emanuel.

Vivemos atualmente buscando cliffhangers, tentando causar essa expectativa em todos, como se nossa própria vida fosse uma novela contaminada de viradas e histórias extraordinárias.

Emily Nussbaum demonstra que o gancho está com tudo – e muita prosa. Ele é o mote de séries como Breaking Bad, Fringe, The Good Wife, Homeland, Revenge (curiosamente comparada por aqui com Avenida Brasil) e até mesmo Mad Men – sem contar as finadas Lost, 24H etc.

Nascido com As Mil e Uma Noites (com os ganchos mais mortais de todos), levado aos píncaros da glória por Charles Dickens (as pessoas se aglomeravam no porto para esperar o navio que trazia as cópias fresquinhas de suas histórias) e eternizado pelos filmes e seriados, o cliffhanger está na moda também no Brasil.

O artigo de Emily explica direitinho o fenômeno e também arrisca uns palpites sobre a atual paixão pelo gancho (algo ligado com a internet, fãs, DVDs etc.).

Por aqui, sempre tivemos esse amor com a estrutura da novela, que necessita de ganchos para sobreviver  – o que não necessariamente acontece com séries e sitcom.

Por que o brasileiro curte tanto essa estrutura? Somos essencialmente espectadores sedentos por suspense? Gostamos desse friozinho da expectativa?

Emily também lembra que esse recurso é muito perigoso, pois evidencia o contato entre autor e público. Quando temos um gancho, uma imagem congelada, o escritor aparece nas entrelinhas nos dizendo: “Ei, amigos, isso é ficção e comércio. Então, preciso te prender por alguns momentos, deixar você viciado nisso, e depois venho com mais. Sabe como é, aquele papo de valorizar o produto”. Estamos sendo enganados. E gostamos.

Quando esse cliffhanger surge com graça e competência, é como se ficássemos dependentes de uma droga positiva, ou seja, sem efeitos colaterais, que promove apenas a diversão. Quando realizado de maneira claramente manipulativa e capenga, vira um crack batizado, um treco insuportável e capaz de nos jogar em um redemoinho de raiva.

João Emanuel está todos os dias vendendo uma droga purinha e, até agora, sem danificar os clientes.

4 comentários em ““Avenida Brasil”: o vício do gancho

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  1. Caramba, nunca tinha pensado nisso. Avenida Brasil é uma série com gancho para o capítulo seguinte. Que óbvio e que sensacional! Não deve ser fácil criar um gancho diário. E todo dia há novidades em Avenida Brasil. Ponto para João Emanuel.

  2. Esplêndido! Dá pra ver que como ‘espectador qualificado’ tem um critério cem vezes mais articulado de muitos críticos de quinta e sociólogos de sexta! Sempre disse que a força de Avenida… estava nos ganchos, mas não na trama repetitiva, óbvia e até mesmo pobre (tipo novela argentina o venezuelana bem dos anos 70). Mas eu era o diablo, né? Tô como criança com brinquedo novo, revisando o blog dos pés a cabeça. Gostei muito e acho que vale a pena ler. Que diferença de quem escreve a quem consome! Abraço cordial de Cuba!

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