Para mim é fácil entrar em qualquer lugar público onde irá acontecer um espetáculo (cinema, teatro, casa de shows, bordel) e desligar o celular. Eu achava que essa regra de conduta – tentar não atrapalhar a compreensão do evento – jamais poderia ser questionada ou desobedecida. Mas hoje percebo que essa história é como o sinal da TIM, simplesmente não pega.
Antes, eu pedia a cabeça dos meliantes (ver mais sobre o tema aqui). Não me conformava com o barulho das sirenes que alertavam sobre uma nova mensagem ou tuíte enquanto lá na frente alguém tentava representar o mundo de uma outra forma – às vezes chamam isso de arte.
Eu não consigo entender como um espectador quer mergulhar num universo diferente se permanece com a alma amarrada numa antena telefônica. Ir ao cinema e ficar de olho no celular é como tentar escapar da vida doméstica acampando na sala. Você pode até achar que está longe, mas continua no mesmo lugar.
Então eu percebi que talvez o problema seja do meu aparelho, que é um decrépito LG sem qualquer contato com Facebook, internet ou GPS. Só pode ser isso. Afinal, desligar os controles de um velhinho de 145 anos, que está em coma faz uns 35, é fácil. Quero ver matar por duas horas um adolescente fresquinho, cheio de energia, capaz de te alimentar com todas as novidades do mundo a cada dois milésimos de segundo.
Percebi que o pessoal tem pena de apagar o bichinho enquanto ficam ali num frenesi mundano. Aquela vinheta que mostra um aparelho desmaiando após ser tocado também não ajuda muito – estamos numa época em que carros e celulares são gente como a gente. O celular também merece assistir ao filme, certo? E deveriam pagar ingresso.
Por isso, essa luta está perdida, meu povo. Como lembrou o escritor Jonathan Franzen em alguns ensaios, o celular é um amor, um cigarro, um vício, um homem.
Nunca mais voltaremos a assistir um filme em paz, sem as luzes imbecis dos celulares ou a voz daquele senhor dizendo: “Não posso atender agora”. Então por que raios ignorou todos os apelos e avisos e deixou essa merda ligada?
Eis um interessante paradoxo desse papo: a frase que mais escuto em cinemas é a “não posso falar agora”. Vai entender.
Em shows a coisa piora porque aí a pessoa não apenas acha que pode se comunicar com um amigo que está no Nepal, mas também se dá o direito de fotografar, filmar, editar e vender ali mesmo as suas imagens do palco.
Desisti de frequentar essas arenas depois de perceber que eu pagava 300 paus para ver o show na telinha do xarope que segurava o celular na minha fuça – e também porque sou o único otário que não paga meia porque não fez carteirinha legalmente falsificada.
E o que dizer dos teatros? O vírus contaminou também um lugar que eu achava inviolável, afinal há pessoas vivas – sim, o melhor 3D do mundo – interpretando um texto num palco. Então, não sei se a turma percebe, mas você pode gritar “gostosa” a plenos pulmões para a imagem da Scarlett Johansson numa tela e ela não vai escutar. Só que no teatro, a coisa muda de figura. O seu berro pode realmente incomodar a atriz. E o seu toque de celular então… Melhor gritar “delícia” do que deixar aquela pessoinha ligada.
Pois bem, outro dia fui assistir ao poético Aqui, no escurinho do Club Noir, na Augusta. A peça é densa – pelo que eu entendi, falava sobre a morte – e milimetricamente ensaiada. A atriz e dona do teatro, Juliana Galdino, fez a ameaça na entrada da peça: “Desliguem os celulares. Por favor, desliguem mesmo, sem brincadeira. Desliguem”.
Não sei se vocês conhecem a Juliana Galdino, mas ela falando assim, com sua voz de trovão e rosto lindamente trágico, soa como: “Se eu ouvir um pio de algum celular eu arranco o intestino da pessoa e dou para os cães comerem”.
Achei que a plateia faria mais silêncio do que aquela do Maracanã na final de 50. Mas adivinhem? Dois celulares tocaram durante o espetáculo. E você sabe qual foi a frase que ecoou enquanto a Branca de Neve contava como era morrer envenenada por uma maçã? Sim, a famosa “não posso atender agora”.
Nem a Juliana Galdino conseguiu impedir a carência pelo celular.
Eu desisto.
Deixe um comentário