O plástico da “Veja”

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Uma das cenas mais interessantes do excepcional O Som ao Redor é aquela da reunião de condomínio. É impressionante o quanto Kleber Mendonça Filho, o diretor, consegue extrair de um evento tão prosaico. Há tanto ali de humor quanto de comentário social. Além da sequência movimentar a história, colocar certo grau de tensão e elucidar muito do caráter de um dos protagonistas. Uma jóia.

É nesse encontro entre moradores que uma dondoca destila uma das frases mais reveladoras sobre as coisas do Brasil. Ao reclamar sobre a incompetência do porteiro, a mulher comenta que a situação chegou num ponto tão terrível que “a revista Veja está vindo fora do plástico” (cito de memória e com bastante imprecisão).

Pois então aí está a grande preocupação desses novos senhores de engenho, desse povo encastelado que lê uma das publicações mais medíocres do planeta. Quanta coisa sendo dita em poucas palavras.

O problema não é da luta social, da miséria, do descalabro público. A grande questão é o plástico que envolve a Veja. E esse tipo de gente existe.

Assim como Buck Henry, que escreveu a famosa frase sobre os plásticos em A Primeira Noite de um Homem, Kleber Mendonça conseguiu uma linha memorável usando esse material.

Eleito um dos melhores filme de 2011 pelo New York Times, O Som ao Redor já é o trabalho brasileiro mais importante deste ano e talvez o longa nacional mais bem construído – e pertinente – dos últimos tempos (leia aqui resenha que escrevi para a revista Rolling Stone).

Kleber Mendonça injeta tanta clareza quanto sentidos ocultos em cada uma de suas belíssimas cenas. E existem muitas delas. Com enorme poder de síntese, ele capta não apenas a poesia do banal (uma máquina de lavar que se torna um vibrador; um aspirador de pó que vira uma máquina anti-cheiro de maconha), como também trafica para a obra momentos oníricos (a já célebre sequência da cachoeira e aquele terrível sonho da menina).

Numa boa entrevista para a revista Cinética (leia aqui), Kleber Mendonça desnuda bastante de seu processo criativo e elenca suas referências.

A leitura é ainda mais interessante pelo que revela da própria personalidade artística do diretor. Um crítico, um amante do cinema que passa a dirigir filmes. Ali estão suas ideias sobre arquitetura, literatura, artes. Alguém que sabe construir uma obra.

Existe paixão pela imagem.

Pois sempre que vejo uma dessas comédias brasileiras idiotas, como Os Penetras, a primeira coisa que penso é: será que os envolvidos nisso realmente acreditam nessa besteira toda ou estão tirando uma com a gente?

Esses blockbusters brasileiros propagam tanta ignorância sobre o cinema, o texto, as atuações, que fica difícil sair vivo dessas sessões.

Bem ao contrário do que acontece quando acompanhamos O Som ao Redor. Diante desse filme, a gente se sente mais esperto, vivíssimo.

2 comentários em “O plástico da “Veja”

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