Nem o melhor roteirista poderia imaginar…

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Quarenta e oito minutos do segundo tempo de um jogo decisivo. Riascos, atacante do Tijuana, chuta. Victor, goleiro do Atlético-MG, defende. Um milagre. A partida termina em 1 a 1, o que garante o time mineiro na semifinal da Libertadores.

Ao ver o choro em campo e o delírio da multidão no estádio Independência, Milton Leite, narrador do Sportv, solta a frase: “Nem o melhor roteirista poderia imaginar isso”.

E lá vamos nós. Sou profissional de uma categoria que está sempre em desvantagem. Não tem jeito. Você acorda, vê o céu desabando numa chuva torrencial, e já pensa: “nem o melhor roteirista poderia…”. É uma desgraça.

Não adianta. O cara inventa 19 luas ao redor de um planeta misterioso que abriga seres fantásticos capazes de viajar numa velocidade insondável, mas não consegue pensar numa defesa do goleiro atleticano nos segundos finais de um jogo da Libertadores. Fazer o quê?

O cientista leva o crédito por mudar a nossa percepção de mundo; o médico salva vidas; o advogado ferra existências; o engenheiro constrói universos; o político nos surpreende com maracutaias e incríveis soluções para nós da sociedade; mas o roteirista, esse pobre coitado, não consegue escrever uma cena capaz de pegar a realidade no contrapé.

Ainda mais hoje, quando o pessoal fala por aí que não existe roteirista bom no Brasil – ainda vão acusar os roteiristas de todo o atraso de nossa cultura audiovisual. Um segredo: a gente também não tem bons diretores, produtores, canais de TV, indústria, nada.

Maldita hora em que não escutei o conselho do Maurício Arruda, roteirista e diretor de TV. Há alguns bons anos, quando pretendia seguir a carreira, ele me disse que a melhor coisa era aprender inglês e se mandar, porque aqui os roteiristas não iriam receber o devido crédito até pelo menos o ano da graça de 2078.

Imaginar que nos EUA as atrizes estão até mesmo “saindo” com roteiristas de séries de TV (há aquela piada clássica da atriz burra que para subir na vida deu para o roteirista e não para o diretor).

Compartilho do drama narrado pelo excelente Juan Pablo Villalobos – seu Festa no Covil é uma jóia – no blog da Companhia das Letras. Neste artigo, ele comenta um pouco sobre a dificuldade que um escritor tem de falar sobre sua profissão no Brasil e no México.

Invariavelmente, quando um roteirista começa um lero com um desconhecido também escutará diversas perguntas capciosas. Começamos com “Roteirista? Que bacana. Do quê?”.

Você tem que ter paciência, porque as pessoas não sabem o que são roteiros. Uma vez um aluno disse – não foi uma piada – que lia roteiros de filmes todos os dias. Ele estava se referindo à coluna do jornal que relaciona as sinopses dos filmes em cartaz.

A grande maioria nunca viu um roteiro. Ok, eles são escritos para outros profissionais lerem. Mas o desconhecimento é tamanho que muita gente toca até com nojo numa página com o cabeçalho “int. – pensão da dona Jô – dia”.

Então, a primeira coisa que deve ser feita é explicar que o Jack Nicholson e a Meryl Streep não chegam para trabalhar e começam a improvisar depois que o diretor diz: “Pessoal, vocês vão brigar e se xingar. Ação!”.

Depois disso, provavelmente você será abandonado pelo interlocutor porque o papo será bem desinteressante. Ou o sujeito vai perguntar “mas qual é o seu trabalho, o que você faz para ganhar dinheiro?” ou então encerrará essa apresentação com a pergunta-curinga “e torce para qual time mesmo?”.

Pior ainda é se você encontra alguém como o Milton Leite. Um cara bacana, que sabe o que é um roteiro, mas acredita muito mais nas travessuras da realidade.

Meu plano B sempre foi apelar para a minha formação jornalística. Para não complicar a conversa, falo que sou jornalista e pronto. Mas se digo isso, hoje a pessoa me olha e solta um “coitado”.

A situação não está nada boa. Nem o melhor roteirista poderia imaginar.

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