A arte cinematográfica de “True Detective”

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The popular art of one era is often the high art of the next.” Assim, com uma citação do filósofo Alexander Nehamas, a roteirista e professora Christina Kallas abre o último livro dela, Inside the Writers’ Room – um apanhado de entrevistas que fez com diversos autores e showrunners de séries dramáticas norte-americanas.

A frase grita aqui na estante ainda mais agora, quando a primeira temporada de True Detective encontrou o seu final (aqui um glossário).

A série escrita e comandada por Nic Pizzolatto (aqui um perfil do sujeito) e dirigida por Cary Fukunaga quebra de vez algumas barreiras que a Terceira Era de Ouro da TV gringa já vinha derrubando.

Se essa maneira de contar uma história não for cinematográfica, fica difícil entender o que de fato pode ser considerado “cinema” – e arte.

Pra quem não sabe muito bem do que se trata, True Detective conta, em três épocas diferentes, a caçada que uma dupla de tiras (interpretados por Matthew McConaughey e Woody Harrelson) faz a um serial killer na Louisiana.

Foram oito episódios e pumba, o negócio todo terminou, feito um filmaço de longuíssima duração (até porque o diretor foi o mesmo em todos os capítulos, ao contrário do que sempre acontece em projetos desse tipo).

Idas e vindas no tempo, personagens complexos, cenas riquíssimas (com direito a um exuberante long shot), ritmo lento, violência, sexo e uma enorme abrangência de temas. Exatamente como a gente gosta de ver no… cinema.

Até mesmo a Emily Nussbaum, crítica da New Yorker que faz algumas pertinentes ressalvas ao projeto (aqui), reconhece que “judge purely on style, HBO’s ‘True Detective’ is a great show’”.

Pra azar de quem está lendo isto, terei que comentar uma das minhas obsessões: cadê a crítica especializada brasileira (nos jornalões ou academia ou blog de cinema) capaz de escrever com perspicácia sobre esses movimentos da dramaturgia que acontecem no mundo? Parece que nada é debatido aqui além de uma ou outra chatice de novela.

Não é possível. Até quando vamos ignorar que cinema e TV estão se entrelaçando de uma forma íntima e complexa? É impressão, ou crítico de cinema que escreve na “grande” mídia nacional simplesmente ignora toda essa história?

Mergulhando mais uma vez num pensamento de Kallas: “Perhaps rather than a medium or a concrete format, cinema is a state of mind – and it can be found in TV as well as in the movies”.

O interessante é observar que essa estrutura televisiva (que se baseia em dar o poder para os roteiristas) começa a influenciar com enorme eficácia os filmes para cinema.

Será que caminhamos pra isso, então? Para um período em que a arte cinematográfica também poderá ser considerada tanto do roteirista quanto do diretor?

Essa é a discussão de ponta da dramaturgia (e não se a Globo vai… bom, deixa pra lá).

Pra encerrar, vou outra vez da Kallas: “One cannot stress this enough: to ignore TV drama is to ignore one of the most important modes of storytelling of our time”.

*

Em tempo: belo filme esse All Is Lost, de J.C. Chandor, com e somente Robert Redford. Preciso voltar a falar dele.


6 comentários em “A arte cinematográfica de “True Detective”

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  1. Esse eu esperei acabar pra começar a ver! Sobre os críticos, acho que a Ana Maria Bahiana é uma das poucas exceções (mas não sei se ela chega a escrever em algum veículo impresso, eu só leio o blog dela de vez em quando). De todo modo, acho que nossa TV, ao menos a aberta, tem ainda um longo caminho a percorrer até chegarmos nesse nível. Aquilo que o Mckee comentou sobre nossas produções — de que nós tendemos a ser muito didáticos — é a mais pura verdade. O grande público está acostumado com a narrativa reiterativa das novelas, e qualquer coisa que exija maior atenção acaba afastando essa galera. Por isso, acredito que essa evolução deve ocorrer de forma gradual. Agora, na TV a cabo, isso não existe. Ainda estou esperando pelo nosso Sopranos ou Breaking Bad. Será que sai ainda nesta década? 🙂

  2. Amigão, você pensa as coisas que eu venho a pensar dias depois. É incrível isso. Vamos colocar as bobagens no papel e reinventar tudo? Abração

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