Abaixo, versão estendida da entrevista que fiz com o escritor Chuck Palahniuk sobre Clube da Luta 2, processo criativo, a vontade de participar do carnaval brasileiro e o que vai acontecer com o país após a derrota humilhante na última Copa do Mundo.
Aqui você confere a versão muito bem editada publicada na revista Rolling Stone.
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“O bem e o mal sempre existiram. Sempre existirão. São apenas nossas histórias sobre eles que mudam.” A frase abre o recém-lançado Maldita, segundo livro do escritor Chuck Palahniuk com a saga de Madison Spencer, garotinha gorducha – e morta – de 13 anos.
Desde 1990, quando publicou seu primeiro conto, Chuck tem se dedicado a borrar ainda mais as diferenças entre o bem e o mal. Não há lugar para maniqueísmo em sua literatura provocativa, transgressiva e fermentada em excessos.
Com mais de uma dezena de romances, diversos contos, títulos de não ficção e filmes baseados em suas obras, aos 52 anos ele está pronto para lançar novo livro nos EUA e já começa a contar detalhes sobre a continuação – em HQ – de Clube da Luta (1996), seu grande hit que foi parar nos cinemas. “Ao expandir a história do Clube da Luta para o passado e o futuro, serei capaz de construir uma espécie de épico tipo Guerra nas Estrelas”, diz nesta entrevista exclusiva.
Formado em jornalismo, Chuck ficou famoso ao capturar seus tipos a partir de experiências reais. Trabalhou como caminhoneiro e mecânico e teve uma dose generosa de tragédias familiares – o pai foi assassinado e o avô se matou. Com o estilo forjado em workshops literários, ele mantém contato com jovens escritores (os fãs mais assíduos se autodenominam “The Cult”) e participa ativamente de discussões na internet (onde revelou que é homossexual).
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Para escrever seus livros, você já assistiu a sessões de terapia para viciados em sexo, ligou para ouvir histórias em linhas de telessexo e trabalhou como voluntário em um asilo. O que você fez para encontrar Madison Spencer? Em 2008, durante o lançamento da adaptação cinematográfica do meu livro No Sufoco, minha mãe estava morrendo de câncer no pulmão. Eu fiquei com ela em casa, cuidei dela. Durante esses dias longos e silenciosos, eu só falava ao telefone com gente de telemarketing e pesquisadores. Minha mãe estava tão sedada que dormia a maior parte do tempo. Mas, quando acordava, ela ficava viajando por causa da medicação; falava intoxicada pelos remédios. Então consegui perceber naquela conversa a garota que ela tinha sido décadas atrás. Aquela menina que tinha crescido, que tinha me criado, agora estava morrendo e se tornou a base para a Madison. Eu tentei manter minha mãe viva através da história da Madison.
Você convive com adolescentes hoje? Tenta se informar para saber o que eles pensam sobre Condenada e Maldita? Adolescentes? Não. Eu só me encontro com eles nos eventos para promover o livro. Minha regra é dar meu trabalho a meus amigos que são escritores e receber comentários deles. Depois eu reviso e entrego para meu agente e para o editor. Fora desse processo, ignoro todas as reações, boas ou ruins, sobre o trabalho publicado. Um escritor pode ser destruído ao tentar agradar muitos mestres.
Como você se relaciona com os filmes baseados em suas obras? Dá palpites no roteiro? Nos dois filmes que fizeram baseados nos meus trabalhos, Clube da Luta e No Sufoco, eu dei poucos palpites. Eu ajudo a promovê-los e divulgá-los quando são lançados. Ver o que as pessoas fazem com minha história me interessa mais do que tentar preservar cada detalhe da história original.
Quais são os medos que você ainda não expurgou na literatura? Meu medo de dirigir em pontes altas. [John] Cheever [escritor norte-americano] tinha o mesmo medo e em certo momento o superou, então acredito que também conseguirei.
Como surgiu a ideia de Beautiful You, o livro que você lançará em outubro nos Estados Unidos? Leu Cinquenta Tons de Cinza e outras obras do gênero para a pesquisa? O título de trabalho de Beautiful You era Fifty Shades of the Twilight Cave Bear Wears Prada [algo como “Cinquenta Tons de Cinza da Caverna do Crepúsculo do Urso que Veste Prada”]. Eu tive que ler todos esses livros. Tentei entender por que eles atraem tanto e finalmente peguei emprestadas metáforas de cada um para escrever um romance popular híbrido “definitivo”. O livro mistura sexo, roupas de grife, um playboy milionário, uma garota inocente, vida primitiva na caverna e magia. É um romance diferente de todos os romances anteriores. E a cena do casamento ao final vai levar os leitores às lágrimas. É um livro libidinoso, engraçado e sexy – e sentimental. O que mais os leitores poderiam querer?
Como está sendo o processo de escrita de Clube da Luta 2? A sequência de Clube da Luta vai mostrar os personagens principais dez anos depois que o livro original terminou, e foi tranquilo de escrever. Grande parte da dinâmica das histórias já estava colocada. E escrever o Tyler foi uma das razões fundamentais para eu fazer o projeto. É uma alegria inventá-lo.
Você comentou em uma entrevista que Clube da Luta lhe deu liberdade. O que espera que Clube da Luta 2 lhe ofereça? Eu espero que Clube da Luta 2 crie uma mitologia mais profunda dessas histórias interconectadas. H.P. Lovecraft alcançou uma mitologia com seu trabalho e Stephen King também está construindo isso.
O título Clube da Luta ganhou no Brasil uma triste associação. Em 1999, durante a exibição do filme de David Fincher, um estudante de medicina entrou em um cinema, disparou uma submetralhadora, matou três pessoas e feriu outras cinco. Esses eventos mexem com a sua criação? Pensa que ao abordar tantas transgressões, violência e humilhação, pode acabar gerando algum tipo de distúrbio real? Não, meu trabalho é muito mais catártico. As pessoas estão se matando e matando umas às outras sem a minha ajuda.
Tem alguma curiosidade sobre o Brasil? Um dos meus heróis é um sociólogo britânico chamado Victor Turner, que estudou o que chamou de eventos “Liminares” e “Liminoides”, como o carnaval. O sonho dele era um dia comandar uma escola de samba e patrocinar um bloco de Carnaval. Eu gostaria de vivenciar o evento no Brasil só para entender melhor por que meu herói o considerou tão fascinante.
Seus protagonistas sofrem as humilhações mais terríveis para então descobrirem que podem viver para além dessas torturas. Nosso futebol sofreu recentemente a maior humilhação de sua história na Copa do Mundo. Você acha que o brasileiro vai se tornar mais forte depois dessa experiência? Vocês ficarão mais fortes. Vencer é a morte: você não tem mais o que fazer além de ter a esperança de continuar ganhando, e essa repetição é cada vez menos recompensadora. Então, perder desta vez fará o sucesso futuro ser muito mais doce. Na verdade, a maior alegria vem justamente de jogar o jogo.


Caraca que figura sensacional, como todos os escritores, deve ser uma decepção conhece-lo, mas as palavras dele são sensacionais, curti demais a entrevista, muito bom.
Haha. Fontes dizem que o sujeito “ao vivo” é de fato casca grossa. Mas quem não é? Na entrevista ele foi muito solícito, simpático e respondeu tudo rapidamente (e não censurou ou escapou de nenhuma questão). Um lorde, enfim. Abraços.