Hugh Grant: o roteirista

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A profissão de roteirista não é vista com frequência nas telas. Obviamente porque seríamos acusados de corporativistas – apesar que jamais ganharíamos de advogados ou médicos. Também parece que escrever sobre sua própria experiência é um caminho fácil e deve ser guardado para momentos de desespero (o escritor Jonathan Franzen disse que todos nós temos um livro pronto para ser escrito, que é o de nossas vidas).

Portanto, o roteirista surge como protagonista muito raramente – e quase sempre como um pequeno monstro. Talvez o mais famoso e clássico deles seja o ambicioso e explorador Joe Gillis (William Holden) em Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder, um dos maiores filmes de todos os tempos. Tudo o que ele possuía de calhordice também tinha de charme e elegância.

Holden emprestaria novamente seu visual para outro roteirista, Richard Benson, de Quando Paris Alucina (1964), sujeitinho sonhador que preferia gastar o tempo enchendo a cara em vez de trabalhar (e como culpá-lo?).

Assim, com dois escritores no currículo, prefiro pensar que Holden representa ainda hoje o tipão físico clássico de um roteirista.

Pelo menos o cara trouxe uma elegância galanteadora bem mais sedutora do que as figuras que tivemos nas últimas décadas – e moldaram o atual pensamento sobre a classe.

Os mais famosos, John Turturro, em Barton Fink (1991), e Nicolas Cage, em Adaptação (2002), espelharam com muito suor e cara feia a dor de barriga que sofremos com o tal bloqueio criativo.

Owen Wilson bem que lançou alguma dignidade e charminho na área com seu Gil Pender em Meia-Noite em Paris (2011). Mas ali o tema era mais literatura do que cinema.

Hoje, quando pensam na figura do roteirista, creio que não é William Holden que aparece no balãozinho, mas sim aquele careca um pouco ensebado, fã de pizza e comida chinesa, solitário, ouvinte de jazz ou ópera, que tecla bobagens num computador que emite som de máquina de escrever (sim, é o único aplicativo que ele baixou).

Faz parte do jogo. Assim como os detetives têm a fuça do Bogart, os médicos parecem o Hugh Laurie e os jornalistas ainda usam bloquinho de anotação, roteiristas são um pouco vulgares e não batem bem da cachola.

Mas agora tudo mudou. Já podemos nos vangloriar de ter um exemplo muito mais limpinho. Adivinhem quem virou roteirista? Hugh Grant. Yes.

No filme The Rewrite, de Marc Lawrence, mister Grant interpreta Keith Michaels, roteirista que faturou o Oscar há 15 anos com uma baba chamada Paradise Misplaced. Desde então emplacou mais três filmes e uma colaboração – nenhum deles com sucesso. Na pior, sem emprego, aceita lecionar escrita de roteiros numa universidade da chuvosa Binghamton, no estado de Nova York – local saudado por causa de seu carrossel.

Keith Michaels é tudo aquilo que imaginamos de um roteirista com alguma fama que vive em Los Angeles. Divorciado, tem seu charme, adora vulgaridades e piadinhas, abandonou o filho e vive grande parte de seu tempo num eterno bloqueio criativo.

Como estamos na seara da comédia romântica, ele vai se envolver com duas de suas alunas – com vantagem para a batalhadora Holly Carpenter, até porque ela é defendida pela sublime Marisa Tomei. Para saber mais, fique com essa resenha perfeita de Richard Brody para a New Yorker.

O que nos interessa: mesmo decadente, Hugh Grant injeta charme na profissão e, vejam só, dá um coração para os roteiristas.

Por que The Rewrite é o meu filme de cabeceira da semana?

1 Em dez minutos, um roteirista (com a cara do Hugh Grant!) é reconhecido no aeroporto, tratado como celebridade por acadêmicos e ainda pega uma aluna.

2 O roteirista acha os filmes baseados nos livros de Jane Austen bem mais legais que as obras literárias.

3 O roteirista mistura Disney, Tarantino, Kurosawa e Bergman numa mesma frase.

4 Um roteirista jovem, quase nas fraldas, escreve seu primeiro longa e embarca para Hollywood onde vai ganhar fama e dinheiro – e a mulher que ama.

5 O chefe do roteirista é o J.K. Simmons (sendo o oposto que é em Whiplash).

6 O roteirista vai se tornar uma pessoa melhor graças a Marisa Tomei.

De certa maneira, saímos de Nicolas Cage e voltamos um pouco para William Holden. Obrigado, Marc Lawrence.

2 comentários em “Hugh Grant: o roteirista

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  1. Acabei de assistir ao filme. Gostei bastente. O roteirista é sim visto como uma celebridade, mas em alguns momentos achei que é desencorajador para a profissão, não acha? Fora isso, percebi que a cidade de Binghamton, onde se passa a maior parte da trama, é a mesma na qual o roteirista Marc Lawrence cursou faculdade, o que torna mais verdadeiro dizer que ele escreveu “sobre sua própria experiência”.

    1. Olá. Não acho que seja tão desencorajador para quem pretende ser roteirista, não. Mas, sem dúvida, há bastante crítica no discurso. Porém creio que fica restrita a um certo tipo de roteirista: os que querem conquistar Hollywood. Há uma mensagem clara – e moralista – sobre os perigos do sucesso nessa profissão (não corremos esse risco no Brasil, infelizmente). Mas aquele final deixa claro que no fundo é muito melhor conviver com o fracasso depois de ter obtido algum sucesso do que sempre ser um fracasso.

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