Nick Hornby e os roteiristas de “Funny Girl”

A family watching television. 1966.

Creio que todo mundo concorda: o inglês Nick Hornby sempre escreve coisas legais. Não importa o tema ou meio. Seja como crítico de música ou literatura (a coluna dele na The Believer é uma delícia), autor de romances geracionais (Alta Fidelidade continua ótimo) ou roteirista.

Portanto, quando ele resolve publicar um livro sobre os bastidores de uma sitcom inglesa dos anos 60, isso só pode ser o treco mais bacana do planeta.

Pode comemorar, meu camarada. Funny Girl, seu mais recente trabalho, publicado por aqui pela Companhia das Letras com tradução de Christian Schwartz, espera deitadinho ali na livraria da esquina (ok, exagerei, as esquinas não têm mais livrarias).

Sempre divertido e terno, Hornby faz a biografia de uma série chamada Barbara (e Jim), espécie de I Love Lucy dos britânicos (ou seja, ainda mais sarcástica). Acompanhamos a rotina de cinco personagens: Sophie Straw, a loira deslumbrante que vira protagonista da série; Clive, o bonitão carente parceiro de Sophie no programa; Dennis, o produtor e diretor dos episódios; e Tony e Bill, os roteiristas.

O livro conta desde o encontro desses cinco para formularem o piloto até a derradeira temporada do fenômeno Barbara (e Jim).

Como toda a escrita de Hornby, aqui encontramos também certa melancolia e bastante vida. Todos os personagens têm pequenos problemas e grandes conflitos. Apesar de ser a engraçada do título e abrir o livro, Sophie Straw tem tanto destaque quanto os outros quatro garotos.

Vamos ficar com a dupla que nos interessa: os roteiristas. Tony é casado e em dúvida com sua sexualidade. Acaba deixando suas frustrações dentro do armário. Bill é gay assumido e logo se enche da comédia ligeira para alçar voos mais intelectuais (como se humor não fosse importante o suficiente).

Hornby também é roteirista – e dos bons. Seu último trabalho nas telas, Wild, é um tremendo esforço de sutileza, dando força a um delicado filme feminista e feminino.

Portanto, suas observações sobre Tony e Bill (ou de Tony e Bill) são pertinentes, reais e contundentes. Um dos trechos que eu mais gosto (e me identifico) é esse abaixo, quando os cinco protagonistas entregam o texto que batalharam juntos para finalmente a equipe técnica começar a montar o piloto de Barbara (e Jim).

Todos os dias, ao que parecia, mais e mais gente se envolvia no programa. E havia algo de excitante em ver a ideia se tornando realidade pelas mãos de contrarregras e cenógrafos, editores de roteiro e eletricistas; mas também havia algo de triste naquilo, pois não pertencia mais a eles cinco.”

Atire a primeira página em branco o roteirista que nunca se sentiu assim ao ver seu amado e suado texto ser possuído por dezenas, centenas de pessoas numa análise técnica (quando figurinistas, direção, maquiagem, cenografia etc. tomam contato com o roteiro e falam o que podem fazer com ele).

É uma sensação indescritível, que mistura dor e agradecimento. Deve ser como os pais se sentem quando os filhos vão embora de casa: dolorido, mas inevitável.

Tudo aquilo que era só seu de repente passa a ser do mundo. Rola uma inveja saudável quando você observa que o ator conseguiu compreender muito bem o personagem e passa a inventar umas falas pertinentes e sacadas. O diretor propõe um plano interessante, que realça aquela piada. O cenógrafo consegue dar cor para aquela cena que você não sabia direito como seria.

Não quero aqui falar sobre o lado ruim, quando parece que você perde seu filho para as drogas, para o lado negro da Força. Podem simplesmente destruir tudo também. Mas vamos ficar com a melhor hipótese.

Não adianta. Por mais que saiba que vão cuidar bem dele e que será melhor assim, sempre há algo de triste e melancólico em perceber que seu universo agora tem centenas, milhares de pais.

Roteirista é um bicho egoísta.

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